sábado, 13 de junho de 2015

Santo Antonio: história e devoção









Santo Antônio é sem dúvida alguma um dos santos mais populares do Brasil e essa devoção ao santo medieval é longa e vem adaptando-se às transformações históricas com permanências e mudanças. Conhecido popularmente como o "santo casamenteiro", bem como, o "deparador" nas palavras de Vieira, pois assim era chamado na metrópole (Portugal) e na colônia (Brasil). Deparador é aquele que recupera as coisas perdidas. Isso mesmo! O santo é invocado para encontrar algo perdido, mas antes vamos conhecer a sua história pessoal.
Fernando, esse foi o seu nome de batismo, nasceu em Lisboa em 1195. Ingressou no mosteiro dos cônegos agostinianos no mosteiro de São Vicente em Lisboa e depois passou para o de Santa cruz em Coimbra, um grande centro cultural de Portugal à época. Vale ressaltar que durante o período medieval os mosteiros e as abadias foram espaços de onde emanava grande produção cultural, sobretudo, da Filosofia e Teologia. Foi neste clima que Fernando formou-se em Filosofia e Teologia com especialização em Sagrada escritura. Homem intelectualmente preparado era a aposta de seus superiores.

                                 Como tornou-se franciscano? como passou a ser chamado Antônio?

Em 1220 foram expostas as relíquias de 5 mártires franciscanos que foram levar o cristianismo ao Marrocos (Muçulmano). Este fato inspirou o já padre Fernando a pedir aos seus superiores que o liberassem para tornar-se franciscano (neste mesmo período na Itália era fundada a ordem dos frades menores). Liberado ingresso na ordem dos frades menores, como era costume, seu nome foi modificado para Antônio. Foi ao Marrocos para conversão dos muçulmanos, mas adoeceu e foi transferido para a Itália onde exerceu funções administrativas e de professor (ele era preparado intelectualmente e um excelente orador), também foi à França combater as heresias dos cátaros ou albigenses. Morreu no dia 13 de junho de 1231 na cidade italiana de Pádua. Foi canonizado em menos de um ano em 1232, fato incomum na Igreja católica.
                         
                                                                 A devoção no Brasil

Segundo o historiador Ronaldo Vainfas (2000) as missões religiosas inseriram as devoções aos santos católicos e associaram catolicismo com as práticas populares. Os portugueses, como bem sabemos, não aceitavam qualquer forma de fé que não fosse a católica combatendo as religiões africanas e ameríndias (  dos índios). O catolicismo que se instalou no Brasil no início da colonização não foi o do concílio de Trento (ortodoxo), mas ainda aquele medieval com suas práticas populares que fugiam ao controle da hierarquia da Igreja. Logo no início a fé popular devotada a Santo Antônio o designou como aquele que encontra algo perdido. Vejamos este texto citado pelo antropólogo Luis Mott (1997, p. 127), num caso investigado pela inquisição (que tentava controlar a fé popular) em Lisboa em 1694,

"Milagroso Santo Antônio, pelo breviário que rezaste, pela cruz que
                                                                                                [levaste
Vos peço santo Antônio, façais aparecer
(o que se furtou, perdeu ou fugiu)"
                                     
Este "responso" era proibido pela Igreja. O povo sempre dar um jeitinho.

                                                               O santo guerreiro e soldado

Incomum atualmente este aspecto da devoção, mas no período colonial santo Antônio era associado à defesa do Estado português. Você não sabia? Pensou que só era para casamento? Calma a história é bonita justamente por revelar fatos inimagináveis. Vejamos exemplos.
 "sua mais venerada estátua no Rio de Janeiro, a do convento franciscano do largo da carioca, recebeu em 1705 o bastão de comando do governador da colônia do sacramento, Sebastião Veiga Cabral, em gratidão por ter protegido os seiscentos homens de sua guarnição quando sitiados durante seis meses por seis mil soldados espanhóis apoiados por navios de guerra" (MOTT, 1998, p. 120).

Nas palavras de Pereira da Costa (In MOTT, 1998, p. 124): "efetivamente partiu santo Antônio para a guerra dos Palmares, acaso confiada a sua imagem a frei André da Anunciação, religioso franciscano, que marchou com o capelão, e somente regressou quando terminou a campanha com a completa destruição da famosa república palmarina, a Tróia negra".

 Nestes documentos percebe-se que no imaginário santo Antônio era percebido como aquele que lutava em favor daqueles que pediam sua intercessão. Não só nestes dois exemplos acima. Foram vários os momentos. Por exemplo, na luta contra a invasão holandesas etc. Certamente herança do espírito das cruzadas presente no catolicismo popular português.
                                 
                                                       Santo Antônio, o casamenteiro

Muito mais popular entre nós é o adjetivo "casamenteiro" atribuído ao santo. Um pequeno detalhe não pode passar despercebido, ou seja, em sua hagiografia (escritos sobre a vida dos santos) são poucos os testemunhos relacionados ao casamento. Existem narrações de supostas ressurreições, curas, dominação de fenômenos naturais, objetos e pessoas reencontradas. 
A fama de casamenteiro provavelmente derivou da sua capacidade em conciliar os casais em crise. Segundo a historiadora Mary Del Priore (1999) as moças que gostariam casar, mas estavam com dificuldades recorriam ao santo. Em casos de decepção amorosa chegavam até esconder o menino Jesus presente nas imagens devolvendo até que o namorado fujão voltasse.
Quadrinhas da época revelam que já se recorria ao santo para conseguir seu amado ou amada,

"Meu Santo Antônio faceiro
santo dos mais adorados,
que, sendo um santo solteiro,
cresces o rol dos casados".
                                                            (DEL PRIORE, 1999, p.23)

 Assim percebemos que as crendices que persistem ainda nos dias de hoje são muito mais antigas que imaginamos. Constantemente percebemos mulheres "malucas" para arrumar alguém ao ponto de fazer coisas incríveis com a pobre imagem do santo. Colocam atrás das portas, nas geladeiras. Enfim, vale tudo para desencalhar!



O pão de santa Antônio, o pão dos pobres

Essa prática consiste em doações para prover de pão os pobres, honrando assim o "protetor dos pobres" que é Santo Antônio. Uma tradição liga essa obra ao episódio de uma mãe cujo filho se afogou dentro de um tanque, mas recuperou a vida graças a Santo Antônio. A mulher prometera que, se o filho recuperasse a vida, daria uma porção de trigo igual ao peso do menino. Por isso, no começo, esta obra foi conhecida como a obra do "pondus pueri" (peso do menino). Outra tradição relaciona a obra do pão dos pobres com uma senhora de Tbulon, chamada Luísa Bouffier. A porta do seu armazém tinha enguiçado de tal modo que não havia outro remédio senão arrombar a porta. Fez, então, uma promessa ao santo: se conseguisse abrir a porta sem arrombá-la, doaria aos pobres uma quantia de pães. E deu certo. Daí por diante, as petições ao santo foram se multiplicando em diferentes necessidades. Toda vez que alguém era atendido, oferecia certa quantia de dinheiro para o pão dos pobres. A pequena mercearia de Luísa Bouffier tornou-se uma espécie de oratório ou centro social. A benéfica obra do "pão dos pobres" teve extraordinário desenvolvimento, com diferentes modalidades, e hoje é conhecida em toda parte.
Portanto, santo Antônio é muito mais do que casamenteiro. Que tal seguir o seu exemplo de ajuda aos pobres? A história realmente sempre nos surpreende revelando aspectos que nunca imaginamos! A história é viva e traz luz ao mundo de hoje. Não percamos a memória histórica! Viva a História!

Por professor Bruno Rafael

Referências

DEL PRIORE, Mary. A família no Brasil Colonial. São Paulo: Moderna, 1999.

MOTT, Luis. Santo Antonio, o divino capitão-do-mato. In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: companhia das letras, 1998.

VAINFAS, Ronaldo. Brasil de todos os santos. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 

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