terça-feira, 14 de julho de 2015

A origem da Filosofia grega



 
A escola de Atenas (1509-1510)- Rafael Sanzio.


Talvez a maior contribuição dos gregos antigos para a civilização ocidental foi o surgimento da filosofia. A palavra Filosofia adquiriu vários sentidos, como por exemplo, visão de mundo e sabedoria ou experiência de vida. Quando falo de Filosofia refiro-me no esforço racional do homem para conhecer a realidade a partir de múltiplas perspectivas, ou seja, busca compreender os princípios, as causas e as condições das diversas questões humanas como, por exemplo, as religiões, valores éticos, políticos e até do próprio conhecimento que se pretende racional.

O nascimento da Filosofia

Antes precisa-se explicar o significado da palavra. Segundo Marilena Chauí (2010) Filosofia é composta por duas palavras gregas philo e sophía. Philo que quer dizer “aquele ou aquela que tem um sentimento amigável”, pois deriva de philia, que significa “amizade e amor fraterno”. Sophía que dizer “sabedoria”. Filosofia significa, portanto, “amizade pela sabedoria”, “amor e respeito pelo saber”.
Segundo os historiadores a filosofia nasceu no fim do século VII a.c e início do século VI a.c, nas colônias gregas da Ásia menor, na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto.
Não quero entrar no mérito da questão sobre o nascimento da Filosofia ser na Grécia ou no oriente, pois parece ser um debate acalorado. Pode-se dizer que a Filosofia sofreu influência da sabedoria dos povos orientais. 

A Filosofia é filha da pólis grega

Como sabemos a primeira forma de tentar explicar a realidade foi o mito. E a Filosofia não rompe bruscamente com os mitos, pois este processo foi lento e gradual. Segundo Jean Pierre Vernat, em As origens do pensamento grego, esse pensamento racional chamado por Pitágoras de Filosofia foi propiciado pelas formas de organização social, política e econômica da cidade-estado; assim, pode-se afirmar que a filosofia é filha da pólis grega.
O aparecimento da polis constitui, na história do pensamento grego, um acontecimento decisivo. Certamente, no plano intelectual como no domínio das instituições, só no fim alcançará todas as suas consequências; a pólis conhecerá etapas múltiplas e formas variadas. Entretanto, desde o seu advento, que se pode situar entre os séculos VIII e VII, marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela a vida social e as relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos (VERNANT, 1998, p. 41).

Com o advento da democracia, especialmente, em Atenas a palavra humana não mais a divina passa a ser valorizada. Na Ágora (praça) aconteciam os debates valorizando a argumentação, contestação, discussão e polêmica pelos cidadãos. E isto foi fundamental para o desenvolvimento da filosofia. Além desse aspecto político outras condições que pode-se citar são: as viagens marítimas (permitiram verificar os mitos), invenção da moeda (capacidade de abstração), invenção do calendário, surgimento da vida urbana, a invenção da escrita alfabética.
Segundo a professora Marilena Chauí (2010) a filosofia grega é dividida nos seguintes períodos:
·         Período pré-socrático (Século VII ao fim do século V a.c)
·         Período socrático (Fim do século V a todo o século IV a.c)
·         Período sistemático (Fim do século IV ao fim do século III a.c)
·         Período helenístico ou greco-romano (Fim do século III a.c ao VI d.c)

Período pré-socrático

Os pré-socráticos


O primeiro período do pensamento grego toma a denominação substancial de período naturalista, porque a nascente especulação dos filósofos é instintivamente voltada para o mundo exterior, julgando-se encontrar aí também o princípio unitário de todas as coisas; e toma, outrossim, a denominação cronológica de período pré-socrático, porque precede Sócrates e os sofistas, que marcam uma mudança e um desenvolvimento e, por conseguinte, o começo de um novo período na história do pensamento grego. Vejamos alguns filósofos pré-socráticos:

Tales de Mileto

(624-548 A.C.) "Água"

Tales de Mileto, fenício de origem, é considerado o fundador da escola jônica. É o mais antigo filósofo grego. Tales não deixou nada escrito mas sabemos que ele ensinava ser a água a substância única de todas as coisas. A terra era concebida como um disco boiando sobre a água, no oceano. Cultivou também as matemáticas e a astronomia, predizendo, pela primeira vez, entre os gregos, os eclipses do sol e da lua. No plano da astronomia, fez estudos sobre solstícios a fim de elaborar um calendário, e examinou o movimento dos astros para orientar a navegação. Provavelmente nada escreveu. Por isso, do seu pensamento só restam interpretações formuladas por outros filósofos que lhe atribuíram uma idéia básica: a de que tudo se origina da água. Segundo Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem à terra; ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A cosmologia de Tales pode ser resumida nas seguintes proposições: A terra flutua sobre a água; A água é a causa material de todas as coisas. Todas as coisas estão cheias de deuses. O imã possui vida, pois atrai o ferro.
Segundo Aristóteles sobre a teoria de Tales: elemento estático e elemento dinâmico. Elemento Estático - a flutuação sobre a água. Elemento Dinâmico - a geração e nutrição de todas as coisas pela água. Tales acreditava em uma "alma do mundo", havia um espírito divino que formava todas as coisas da água. Tales sustentava ser a água a substância de todas as coisas.

Anaximandro de Mileto (611-547 A.C.) "Ápeiron"

Anaximandro de Mileto, geógrafo, matemático, astrônomo e político, discípulo e sucessor de Tales e autor de um tratado Da Natureza, põe como princípio universal uma substância indefinida, o ápeiron (ilimitado), isto é, quantitativamente infinita e qualitativamente indeterminada. Deste ápeiron (ilimitado) primitivo, dotado de vida e imortalidade, por um processo de separação ou "segregação" derivam os diferentes corpos. Supõe também a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens. Anaximandro imagina a terra como um disco suspenso no ar. Eterno, o ápeiron está em constante movimento, e disto resulta uma série de pares opostos - água e fogo, frio e calor, etc. - que constituem o mundo. O ápeiron é assim algo abstrato, que não se fixa diretamente em nenhum elemento palpável da natureza. Com essa concepção, Anaximandro prossegue na mesma via de Tales, porém dando um passo a mais na direção da independência do "princípio" em relação às coisas particulares. Para ele, o princípio da "physis" (natureza) é o ápeiron (ilimitado). Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso do gnômon (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega). Ampliando a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal presidindo o processo cósmico total. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um terremoto. Anaximandro julga que o elemento primordial seria o indeterminado (ápeiron), infinito e em movimento perpétuo.
Fragmentos
"Imortal...e imperecível (o ilimitado enquanto o divino) - Aristóteles, Física". Esta (a natureza do ilimitado, ele diz que) é sem idade e sem velhice. Hipólito, Refutação.

Anaxímenes de Mileto (588-524 A.C.) "Ar"

Segundo Anaxímenes, a arkhé (comando) que comanda o mundo é o ar, um elemento não tão abstrato como o ápeiron, nem palpável demais como a água. Tudo provém do ar, através de seus movimentos: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada vez mais condensadas do ar. As diversas coisas que existem, mesmo apresentando qualidades diferentes entre si, reduzem-se a variações quantitativas (mais raro, mais denso) desse único elemento. Atribuindo vida à matéria e identificando a divindade com o elemento primitivo gerador dos seres, os antigos jônios professavam o hilozoísmo e o panteísmo naturalista. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol. Anaxímenes julga que o elemento primordial das coisas é o ar.
Fragmentos
"O contraído e condensado da matéria ele diz que é frio, e o ralo e o frouxo (é assim que ele expressa) é quente". (Plutarco). "Com nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro.

Parmênides (515 – 445 a.C.)

Parmênides acreditava que tudo o que existe sempre existiu. Sendo que nada pode surgir do nada e nada que existe pode se transformar em nada. Ele considerava totalmente impossível qualquer transformação real das coisas. Nada pode se transformar em algo diferente do que já é.
A partir da premissa de que algo existe – É –, Parmênides deduziu que esse algo não pode também não existir – NÃO É -, pois isso envolveria uma contradição lógica. Portanto, seria impossível existir um estado do nada- NÃO HAVERIA UM VAZIO. Assim, algo não pode vir do nada: deve sempre ter existido em alguma forma.
É claro que Parmênides sabia que das constantes transformações que ocorrem na natureza. Mas ele não conseguia harmonizar isto com aquilo que sua razão lhe dizia. E quando era forçado a decidir se confiava nos sentidos ou na razão, decidia-se pela razão.
Todos nós conhecemos a frase: “Só acredito vendo”. Mas Parmênides não acreditava nem quando via. Ele dizia que os sentidos nos fornecem uma visão enganosa do mundo; uma visão que não está em conformidade com o que nos diz a razão.

Heráclito (535 – 475 a.C.)

 “Tudo flui”, dizia Heráclito. Tudo está em movimento e nada dura para sempre. Por esta razão, “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio”. Isto porque quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto o rio já mudamos.
Heráclito entendia o mundo governado por um logos divino. Às vezes interpretado como “razão” ou “argumento”, considerava o logos uma lei universal, cósmica, de acordo com a qual todas as coisas começam a existir e todos os elementos materiais de universo são mantidos em equilíbrio.
Heráclito também nos chama a atenção para o fato de que o mundo está impregnado por constante opostos – dia e noite, quente e frio, por exemplo. Se nunca ficássemos doentes, não saberíamos o que significa saúde.
Tanto o bem quanto o mal são necessário ao todo, dizia Heráclito. Sem a constante interação dos opostos o mundo deixaria de existir.

Empédocles (490 – 430 a.C.)

Empédocles acreditava que a natureza possuía ao todo quatro elementos básicos, também chamados “raízes”. Estes quatro elementos era a terra, o ar, o fogo e a água.
Todas as transformações da natureza seriam resultado da combinação desses quatro elementos, que, depois, novamente se separavam um do outro. Pois tudo consiste em terra, ar, fogo e água, só que em diferentes proporções de mistura.
Esses elementos seriam movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
Amor: responsável pela força de atração e união e pelos movimentos de crescente harmonização das coisas;
Ódio: responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.

Anaxágoras (500 – 428 a.C.)

Anaxágoras achava que a natureza era composta por uma infinidade de partículas minúsculas, invisíveis a olho nu. Tudo pode ser dividido em partes ainda menores, mas mesmo na menor das partes existe um pouco de tudo.
Anaxágoras também imaginou um tipo de força que seria responsável, por assim dizer, pela ordem e pela criação de homens, animais, flores e árvores. A esta força ele deu o nome de inteligência.

Demócrito (460 – 370 a.C.)

Afirmou que todas as coisas eram constituídas por uma infinidade de pedrinhas minúsculas, invisíveis, cada uma delas sendo eterna e imutável. A estas unidades mínimas Demócrito Deu o nome de átomos. A palavra átomo significa “indivisível”.
Além disso, as “pedrinhas” constituintes da natureza tinham que ser eternas, pois nada pode surgir do nada. Sendo que essas “pedrinhas”, segundo Demócrito, possuíam formatos diferentes: alguns arredondados e lisos outros irregulares e retorcidos. E por suas formas serem tão irregulares é que eles podiam ser combinados para dar origem aos mais variados corpos.
Demócrito acreditava que a alma era composta por alguns átomos particularmente arredondados e lisos, os “átomos da alma”. Quando uma pessoa morre, os átomos de sua alma espalham-se para todas as direções e podem agregar a outra alma, no mesmo momento em que é formada.

Veremos de forma mais que resumida os três principais filósofos gregos e que mais influenciaram o pensamento ocidental seja na arte, ética, política e na religião. Foram Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates (470-399 a.c)

Sócrates


Sócrates foi um filósofo que se preocupou com as questões antropológicas, ou seja, o centro de suas reflexões foi o homem em seus diversos aspectos. Ele não escreveu nada e o que se sabe sobre ele, deve-se aos escritos do seu discípulo Platão. Sócrates era de origem humilde, andava pelas praças, mercados, assembleias questionando seus interlocutores sobre o que é a coragem? O que é a beleza? Ele fazia essas perguntas para mostrar aos seus contemporâneos que eles nunca haviam refletido sobre os valores que diziam verdadeiros. Quando perguntavam a ele sempre respondia que não sabia e por isso perguntava. Donde surge a famosa expressão atribuída a ele quando respondeu a pergunta da sibila no templo de Apolo: “Só sei que nada sei”.
Para ele a consciência da ignorância era o início da filosofia. Procurava a definição, ou seja, a essência de uma ideia, por exemplo. E pensar é sempre um risco. Risco para quem pensa e também para os poderosos que historicamente não querem que os subalternos pensem. Por isso se você não gosta de pensar não estude filosofia. Os poderosos de Atenas acusaram nosso filósofo de corromper a juventude, desrespeitar os deuses e violar as leis.
Sócrates foi levado ao julgamento e foi condenado ao envenenamento. Se você deseja conhecer o julgamento e morte de Sócrates leia a obra de Platão com o título de Apologia de Sócrates. 

Platão (427-347 a.c)

Platão

Platão foi discípulo de Sócrates e escreveu vários textos entre os mais conhecidos temos A República e o Banquete. Para um aprofundamento das suas ideias aconselho ler estas e outras obras do filósofo que fundou a Academia em Atenas. Platão acreditava que os fenômenos eram transitórios e passageiros. Que a realidade era uma cópia imperfeita das suais ideias presentes no mundo das ideias. Platão também ficou conhecido pelo famoso mito da caverna descrito no livro A república. Nesta metáfora enfatiza a importância do filósofo como aquele que liberta as pessoas da mera aparência e as traz à luz da verdade. O instrumento para a libertação das pessoas que contemplam apenas as sombras da realidade é a filosofia.

Aristóteles (384-322 a.c)

Aristóteles


Ao contrário de Platão Aristóteles buscou compreender a realidade não a partir do mundo das ideias, mas a partir da própria realidade. Ele sempre valorizou o equilíbrio do ser. Deve-se a ele o desenvolvimento da lógica, ciência e da ética.

Por professor Bruno Rafael

Referências

CHAUI, Marilena. Iniciação à Filosofia: ensino médio, volume único. São Paulo: Ática, 2010. 

VERNANT, Jean Pierre. As origens do pensamento grego.10.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

www.mundodosfilosofos.com.br 


quinta-feira, 9 de julho de 2015

O mito de Narciso


Narciso- Michelângelo Caravaggio (1571-1610)



Os mitos ao longo do tempo tiveram várias versões e, por conseguinte, interpretações. Segundo alguns estudiosos os mitos refletem sobre a natureza humana. Por exemplo, o mito de Narciso é muito utilizado por psicólogos para explicar a paixão. Além disso, essa lenda deu origem ao termo narcisismo fenômeno tão presente em cada um de nós e em nossa sociedade.

O mito
Narciso, um jovem de extrema beleza, era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope. No entanto, apesar de atrair e despertar cobiça nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver sozinho Existem duas versões mais debatidas sobre o mito de Narciso. Uma, menos tradicional, oriunda do Poeta grego Pausânias, diz que Narciso teria uma irmã gêmea e que ela era o seu reflexo. Outra, considerada a versão original do mito, compreende que Narciso era uma das criaturas mais lindas já existentes. Por causa de sua beleza, as mulheres ficavam encantadas pelo jovem mancebo, filho de Cefiso e Liríope.
O nome Narciso (tema narkhé = torpor, como em narcótico para nós) já parece indicar o que sua existência significaria: sua beleza entorpece, atordoa, embaraça a todos aqueles por quem ela é vista. Mas também, por sua ascendência, Narciso tem estreita relação com a ideia de água, escoamento e fertilidade, por parte de pai, bem como mansidão, voz macia e leveza (por parte de mãe).
Quando Narciso nasceu, sua mãe consultou o adivinho Tirésias que lhe predisse que Narciso viveria muitos anos desde que nunca conhecesse a si mesmo. Narciso cresceu tornando-se cada vez mais belo e todas as moças e ninfas queriam seu amor, mas ele desprezava a todas. Conta-se que, certa vez, Narciso passeava nos bosques. Perto dali, a ninfa ECO, que era uma tagarela incorrigível, acompanhava-o, admirando sua beleza, mas sem deixar que a notasse. Eco, em virtude de sua tagarelice, foi punida por Hera, esposa de Zeus, para que sempre repetisse os últimos sons que ouvisse (por isso, na física, chamamos de eco a reverberação do som). Por sua vez, Narciso, suspeitando de que estava sendo seguido, perguntou: “quem está aí?”. E ouviu: “Alguém aí?” Então, ele gritou novamente: “Por que foges de mim?”. E ouviu “foges de mim”. Até dizer “Juntemo-nos aqui” e ter como resposta “juntemo-nos aqui”. Toda essa repetição acabou deixando Narciso angustiado por desejar amar algo que não poderia ver.
Dessa forma, Narciso entristeceu-se e foi à beira de um lago, onde, de modo surpreendente, deparou-se com sua imagem nos reflexos da água. Como nunca antes havia se olhado (pois sua mãe foi recomendada a não permitir que isso ocorresse), enamorou-se perdidamente, acreditando ser a pessoa com quem estava “dialogando”. Por isso, tentou buscar incessantemente o seu reflexo, imergindo nas águas nesse intento, mas acabou morrendo por ter ficado inerte admirando sua beleza. A ninfa Eco sentiu-se culpada e transformou-se em um rochedo, vivendo a emitir os últimos sons que ouve. No local de sua morte surgiu a flor que recebeu o nome de Narciso que possui a beleza singular, porém estéril e narcótica.

Interpretação (Elaborada pelo professor e psiquiatra Eutanásio de Oliveira Ferraz)



 Narciso é um personagem enigmático e fascinante que traz em si um grande dilema: ver-se ou viver; ver-se e não viver ou não se ver e viver. Não podia conhecer-se, caso contrário não veria a velhice ou a vida eterna, como previra o oráculo. Por isso, era admirado por si mesmo, imobilizado e aprisionado em seu próprio mundo. Não podia se ver para continuar vivendo. Amava e não podia amar, amado, não podia deixar-se amar. Era solitário vagando pela floresta.

 O belo Narciso é independente, porém vive na solidão; evita qualquer aproximação, não respeita a sociabilidade. É imerso em si, anula a alteridade (o outro). Tem tudo, basta-se a si mesmo. É prisioneiro de sua própria aparência que lhe é irresistível e isso o faz sofrer. Sofre porque não consegue ter aquela imagem para si. Está tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. Representa o eterno dilema da autossedução que não se realiza. Tem e ao mesmo tempo não a tem, porque essa é intocável, pode ser somente contemplada. É um amor platônico por si mesmo. Tocar a fonte de Téspias seria deformar aquela imagem tão bela e perfeita.

 Seu desejo é devorar-se a si mesmo. Tem a beleza desejada, idealizada, que todos querem possuir. Às vezes isso provoca a ruína, o que significa ver somente o ideal de si, um rosto bonito e não uma pessoa em sua inteireza. É uma imagem com muitos rostos onde o próprio EU não entra e esses rostos se confundem. Há o desejo de se tornar sedutor(a), de despertar desejos. E o sedutor(a) adquire uma imagem que não é sua, tem outra identidade, pois seu ego é frágil, nada sedutor.  Ao contemplar-se nas águas da fonte, sua unidade rompe-se: o que era um parte-se em dois. É arrastado para fora de si. O que Narciso viu? O ideal de si e lutou para não perder essa imagem. Sua posição reclinada para baixo não permite ver a vastidão do horizonte, deixa-o envolto em si mesmo. Por isso a visão que tem do mundo é ínfima. Mas a imagem ideal refletida é inalcançável, isso o leva à morte como punição por não conseguir trazer para si a imagem desejada.

 Esse mito, ou lenda simboliza a imobilidade, a solidão e a infelicidade, porque Narciso não conseguiu vencer a sedução da própria imagem. Se isso acontecesse, teria que assumir responsabilidades sociais, enfrentar desafios, a realidade, as desilusões. Não há risco zero na vida. Exemplos? Basta prestar atenção na vida dos animais. Se ficar na toca certamente morrerá de fome e sede. É preciso enfrentar a realidade, mesmo sob o perigo de perder a vida. É também a busca da eterna beleza. Morrendo jovem e belo, seria lembrado assim, com sua juventude perpetuada. É a busca do aplauso, do reconhecimento. Esse ideal do belo provoca desejos irrealizados, prazer em seduzir e despertar desejos. Porém não permite que sejam satisfeitos. Isso leva à melancolia, o mundo perde o valor, a consciência aflige-se com fragilidade.

 O grande engano de Narciso foi errar na escolha de amor. Ao invés de dirigi-lo a outro, volta-se para si mesmo e comete um incesto intrapsíquico. Toda sua energia não se liga ao mundo externo e isso é patológico. O que ele ama é a sua sombra, o próprio reflexo, por isso não abandonou as águas da fonte. Somente ali essa ação é possível. Seu desejo era manter-se eterno, perpetuar aquela imagem que o seduziu e a sedução pelo eterno levou-o à morte. A fonte é o espelho que atrai e arruína. A imagem refletida não é o que aparenta. Mostra o que é e o que não é. Estimula na alma o desejo por uma imagem inatingível. Narciso achou que era a própria imagem, não se individualizou, não separou realidade e fantasia.

 Esse personagem também pode ser visto por outro ângulo, pois até aqui parece ser doentio. Todos têm um Narciso em si e isso leva a que cada um procure cuidar do próprio corpo; arrumar-se, enfeitar-se para agradar a si e aos outros demais. Isso não significa que esteja voltando sua capacidade de amar e ser amado só para si mesmo, mas tem a finalidade de encontrar alguém, ir em busca do outro e do mundo.

 Logicamente o mito presta-se para muitas outras interpretações. Porém Narciso perambula pela sociedade e está na personalidade de todos.
O mito de Narciso nos mostra que vivemos na superficialidade, nas aparências. Somos seres sem profundidade. O mito de Narciso sempre quer falar algo do ser humano. De uma forma ou de outra sempre trazemos um Narciso dentro de nós. Narciso diz que cada ser humano tem que descobrir que ele é, e qual o caminho que o conduz à felicidade
.

Por professor Bruno Rafael

Referências