segunda-feira, 26 de novembro de 2018

O extrativismo das drogas do sertão na Amazônia seiscentista


Professor Me. Bruno Rafael Machado Nascimento
           
          Por volta de 1640 os portugueses conseguiram expulsar da Amazônia (que no século XVII era um Estado separado chamado de Estado do Maranhão e depois Maranhão e Grão-Pará) aqueles que eles consideravam estrangeiros, isto é, ingleses, irlandeses, holandeses e franceses que estabeleceram relações comerciais com os povos indígenas que viviam na região. Esses povos deixaram muitas marcas, por exemplo, vestígios de antigos fortes e assentamentos onde chegaram a cultivar tabaco, café e outros produtos. Eles comercializavam com os ameríndios produtos da floresta: urucum, peixes, madeiras etc. Antes, os portugueses chegaram e fundaram o forte do Presépio que deu origem à cidade de Belém em 1616 onde enfrentaram a resistência indígena, mas após guerras e alianças com os povos nativos conseguiram se estabelecer na região. Concomitantemente por meio de vários conflitos e com o apoio de determinados povos indígenas conseguiram expulsar os outros europeus (vale destacar que os conflitos fronteiriços com outros países vão ser resolvidos apenas no século XVIII e XIX) e incentivaram o povoamento do rio Amazonas e seus afluentes, assim como, a agricultura e exploração dos produtos naturais
Não apenas o domínio militar com a ocupação e construções de fortificações foram fundamentais, mas também outros instrumentos foram importantes para a presença portuguesa, a saber: 1) a caça aos indígenas e a exploração das drogas do sertão e 2) as missões religiosas, principalmente sob o comando dos missionários jesuítas. Pode-se afirmar que a ocupação da Amazônia deu-se por caminhos militares, religiosos e econômicos. O historiador Rafael Chambouleyron chama atenção para importância dos militares, religiosos e sertanistas (que se dedicavam na caça aos indígenas) para assegurar o domínio português, mas também durante o século XVII os donatários que receberam capitanias, os lavradores e dos moradores das vilas e cidades que possuíam outros objetivos (CHAMBOULEYRON, 2006 ).
Na Amazônia colonial os produtos naturais foram chamados de drogas do sertão de onde se extraíam resinas, cascas, frutos e eram enviados ao porto de Belém e de lá para a Europa. Pode-se citar como exemplos das drogas: cacau, urucum, anil, salsa-parrilha, óleo de copaíba, baunilha e casca de pau-cravo (hoje raro de encontrar e utilizado na culinária e na medicina para tratar das feridas).  As drogas do sertão eram coletadas principalmente pelos indígenas escravizados ou livres, pois eram eles que sabiam onde estavam localizadas, eram eles que pilotavam as canoas, conheciam os rios e igarapés. As viagens até os locais de extração eram longas e o pagamento para os indígenas livres eram em geral farinha, pano de algodão, aguardente, chapéu, faca, agulha etc. Essas viagens eram lideradas pelos “cabos” e os indígenas pescavam e caçavam para si e para eles (RAVENA; MARIN, p. 395). Todos os agentes coloniais exploraram a mão de obra indígena: missionários, colonos, autoridades lucraram à custa dessa exploração que desorganizou a vida das sociedades ameríndias, entretanto os indígenas criaram táticas para sobreviver diante da escravização e outras formas de controle. Aprenderam negociar e em muitas ocasiões fizeram seus interesses se materializarem.
As drogas do sertão foram utilizadas também no tratamento das doenças (os europeus aprenderam com os indígenas). Ao viajar pela Amazônia no século XVIII Alexandre Rodrigues Ferreira escreveu a respeito do óleo da copaíba: “para os vômitos, ainda que sejam pretos, bebem a semente da cupahiba ralada...” (FERREIRA, 1983, p. 760) e “para suspenderam as gonorrhéas, bebem o cozimento da raiz do limão azedo, incorporado com outras de cupaiba” (FERREIRA, 1983, p. 762). Já a baunilha era utilizada na culinária como ingrediente ao chocolate. O cacau também era considerado droga do sertão e como o chocolate começava a cair no gosto dos europeus seu cultivo foi impulsionado principalmente a partir do século XVIII. Essa droga foi tão importante que foi utilizada como moeda nas relações econômicas. Veja o relato do padre jesuíta João Daniel que viveu no século XVIII na Amazônia: “São as terras do Amazonas tão abundantes de cacao, como todos sabem, pois de lá é que vem para a Europa tanta abundância, e é a carga mais ordinária das suas frotas.” (DANIEL, 1975, p. 124).
Estes produtos da Amazônia colonial geraram riquezas para os vários agentes coloniais, bem como, para coroa portuguesa. Exemplo de que eram considerados valiosos foi o que escreveu o já citado padre jesuíta: “são muitos, e mui preciosos os bálsamos do Amazonas; e só eles bastavam a fazer mui rico, e preciosos o seu tesouro...” (DANIEL, 1975, p. 390).
Portanto, a coleta das drogas do sertão foi um comércio bastante lucrativo para os europeus, mas foi realizado a partir do trabalho escravo ou livre dos indígenas. Isso demonstra que sem a presença dos ameríndios com seus conhecimentos e força de trabalho seria impossível no século XVII o comércio desses produtos, bem como, a própria colonização. Os maiores beneficiados foram os colonos comerciantes e principalmente os missionários que controlavam grande parte dos indígenas.

 Aprofundamento
         Na Amazônia colonial a palavra sertão significava o interior do território, distante de onde viviam os portugueses, lugar de escravização de indígenas, lugar de conversão dos indígenas, lugar onde se coletava as drogas do sertão (CHAMBOULEYRON; BONIFÁCIO; MELO, 2010).
 


Referências

CHAMBOULEYRON, Rafael. Plantações, sesmarias e vilas. Uma reflexão sobre a ocupação da Amazônia seiscentista. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, v. 6, p. 1-10, 2006.
CHAMBOULEYRON; BONIFÁCIO; MELO. Pelos sertões “estão todas as utilidades”. Trocas e conflitos no sertão amazônico (século XVII). Revista História, São Paulo, n. 162, p. 13-49. 2010.
DANIEL, João. Tesouro descoberto no rio Amazonas. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1976.
RAVENA, Nirvia; MARIN, Rosa Acevedo. A teia de relações entre índios e missionários. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 50, p. 395-420, mai/ago, 2013.