terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O povoado de São José de Macapá (1751-1758): açorianos, indígenas e a vila

Prof. Me. Bruno Rafael Machado Nascimento



Considerações iniciais


Muitos historiadores, jornalistas, memorialistas e pessoas interessadas em conhecer o passado de Macapá já se propuseram a realizar uma síntese sobre o porquê da criação da vila de São José e outros aspectos do povoado. O objetivo deste texto é apresentar para o leitor um estudo não necessariamente acadêmico, mas com profundidade sobre o projeto de fundação da vila, os personagens, o cotidiano dos colonizadores e indígenas, entre 1751 e 1758, ou seja, da chegada dos primeiros açorianos até a oficialização de São José de Macapá, em 1758, como uma vila.
            Analisei vários documentos, principalmente, as correspondências do governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que teve papel decisivo no povoamento do sítio de Macapá. Optei por expor diretamente as fontes, mesmo correndo o risco de ser enfadonho, pois creio que o leitor poderá visualizar e até imaginar o que está sendo narrado e explicado.

Macapá indígena 


           A atual capital do Estado do Amapá é mais indígena do que a sua população tem consciência. A começar pelo topônimo Macapá que é de origem Tupi e deriva de Macapaba, ou seja, estância das macabas (bacabas). Várias ruas e avenidas da cidade possuem nomes de povos indígenas ou derivados das suas línguas. Com relação à vida dos ameríndios anterior à chegada dos colonizadores europeus, há várias pesquisas desenvolvidas por arqueólogos que mostram as sociedades em níveis diferentes de complexidade. Comumente estes profissionais apontam tradições ou fases dos sítios arqueológicos presentes no Amapá: Aruã, Maracá, Mazagão e Aristé que revelam indícios e sinais dos primeiros habitantes destas paragens.
         Macapá fazia parte da chamada região do “Cabo do Norte” (cabo norte é um acidente geográfico no litoral amapaense e que no período colonial servia de referência aos navegadores). Ao menos desde o século XVII os europeus já designam o lugar por Macapá. Como sabemos disso? Os documentos escritos e os mapas mostram. Isso demonstra que o vocábulo não foi criado para a vila, mas já era utilizado há muito tempo para identificar a região.
Também nas fontes designam o que hoje é a cidade de Macapá de “lugar, terra e ilha dos Tucujus”, pois esse povo era bastante numeroso na região. Infelizmente devido a violência da colonização essa etnia foi dizimada. Os Tucujus mantinham relações comerciais e de amizades com os franceses. Muitos deles se refugiaram na atual Guiana francesa, mormente em missões jesuíticas na margem esquerda do Oiapoque no século XVIII. Também os Aruã que eram acusados de possuírem alianças com os franceses passavam pelo sítio de Macapá. Observe no mapa alguns povos que viveram no atual Amapá:


              Indígenas que viveram no atual Amapá e Guiana francesa
Fonte: NIMUENDAJÚ, Curt. Mapa etno-histórico e regiões adjacentes. Brasília: IPHAN, IBGE, 2017. Adaptado.

          Caro leitor ou leitora, você pode se perguntar o que aconteceu com todas essas populações. A maioria foi dizimada pela exploração e doenças, e outras entraram em processo de fusão que possivelmente deu origem às atuais que vivem no Estado. Os indígenas sempre resistiram e procuraram criar táticas para sobreviverem. Foi comum alianças com franceses, portugueses e holandeses para conseguir a autonomia possível. Caso emblemático foi a morte pelos ameríndios de dois missionários jesuítas em 1687 na região acima do rio Araguari. Outras vezes, fugiam para Caiena e até foram viver em missões dos jesuítas em território considerado francês. O que isso nos diz hoje? Que devemos reconhecer e valorizar nossas origens indígenas, bem como, combater preconceitos contra estes povos.


O desejo de proteger a fronteira


         O Cabo do Norte e consequentemente Macapá sempre foi visitada por ingleses, holandeses e franceses que negociavam produtos e gentes com os indígenas. Ingleses e holandeses, por exemplo, chegaram a criar fortes e feitorias na região. Por isso, os portugueses tiveram que com a ajuda de ameríndios combater e expulsar aqueles que consideravam estrangeiros. Foram vários os conflitos armados no Cabo do Norte até a expulsão e as assinaturas de tratados com a França. Para tanto, no século XVII foram criados pelos portugueses a casa forte no Araguari primeiramente em 1660 e depois foi substituída por outra em 1688; e o forte de Santo Antônio de Macapá (no atual igarapé da fortaleza). Observe a planta que o engenheiro Pedro de Azevedo Carneiro fez para construir em 1688 a casa forte no rio Araguari com o intuito de evitar a entrada dos franceses:
 
O forte ficava localizado na margem esquerda do rio Bataboute ou Batabouto, afluente da margem esquerda do rio Araguari. Devido o material utilizado, o abandono e a localização teve breve existência até 1697 onde a pororoca o destruiu. O forte de Santo Antônio de Macapá ou Cumaú foi construído em 1688 em cima do forte Cumaú dos ingleses e teve sua planta traçada pelo engenheiro Pedro de Azevedo Carneiro. Observe:
                           
           Planta da fortaleza de Santo Antônio de Macapá ou Cumaú (1688)
Fonte: Vianna (1905, p. 244)
Já no século XVIII, mais especificamente em 1738 os portugueses criaram um reduto com destacamento militar em Macapá para fazer a proteção da região contra as investidas das outras nações europeias, notadamente os franceses. Esta guarnição vivia de forma precária e na década de 1750 o também chamado “presídio de Macapá” foi caracterizado pelo Francisco Xavier de Mendonça Furtado como insuficiente para cumprir as suas funções. 

O projeto pombalino para Amazônia 

            Com a ascensão de D. José I ao trono português (1750-1777) entra em cena o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e de Guerra Sebastião José de Carvalho e Mello (marquês de Pombal). Pombal fez várias ações em vários campos da administração portuguesa, as reformas pombalinas, com o objetivo de modernizar a administração em busca da racionalidade e eficiência.
Em relação à Amazônia portuguesa, destaco a prioridade da proteção das fronteiras, assim como, a busca pelo desenvolvimento econômico por meio da agricultura utilizando africanos escravizados como principal força de trabalho. Os indígenas deveriam se tornar súditos do rei, mas isso não significava deixar de ser explorados (para compreender esta questão veja a lei de liberdade – 1755 e o diretório dos índios – 1757). Livres e úteis ao reino, os ameríndios constituíam as “muralhas dos sertões” onde trabalhavam, produziam, povoavam e ajudavam a garantir o território para os lusitanos.
O escolhido para tentar materializar o projeto pombalino para Amazônia foi o irmão do marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Ele se tornou o governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão (compreendia a Amazônia e parte do nordeste) entre 1751 e 1759. O governador não era meramente um cumpridor de ordens, mas com a experiência na realidade amazônica decidia e criava ações que julgava pertinentes. Mendonça Furtado está diretamente ligado com o desenvolvimento do povoado e com a fundação da vila de São José de Macapá.
Um dos aspectos que chama atenção nas ideias de Pombal foi a secularização, ou seja, diminuir o poder temporal dos religiosos (tanto que em 1759 os jesuítas foram expulsos de todo o reino). Na Amazônia o poder dos missionários e padres estava por toda parte, sobretudo, no controle dos indígenas aldeados que eram a principal força de trabalho. A ideia de “civilizar” ganhou força no século XVIII e umas das manifestações dessa suposta civilização estava no desenvolvimento urbano, ou seja, em vilas e cidades. Porém, não apenas a formação da urbe, mas também de fortificações para garantir o território. Nas “terras do Cabo do Norte” (região do atual Amapá) esta conjugação entre vila e fortificação esteve em “sintonia” apesar do foco na militarização. Mas esta não é a questão deste texto. Vamos focar no povoado de Macapá.

A vila de São José de Macapá



            O desejo de urbanizar e “civilizar” deve ser entendido como formas de controle das pessoas que viviam na Amazônia, bem como, das fronteiras. Em outras palavras, as vilas que foram criadas atendiam também a esses interesses. O então povoado de Macapá é um exemplo emblemático disso.  Para transformar o sítio de Macapá em uma próspera vila (ao menos na intenção) o governo português enviou “casais” de açorianos para colonizar e povoar esta zona fronteiriça.
          O governador e Capitão-Geral do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, foi peça chave no transporte dos ilhéus para a nova povoação de São José de Macapá. Coube a ele a árdua tarefa do translado que se tornou mais difícil pela falta de recursos e indígenas.

Os "casais" açorianos que vieram para Amazônia


            Quando se fala em açorianos é preciso ter clareza que Açores é uma região composta por várias ilhas no oceano Atlântico que pertencem a Portugal. Foram dessas ilhas que vieram os “casais” açorianos, principalmente das ilhas Graciosa (a considerada mais pobre à época) e Terceira. Essa migração ocorreu em três levas, a saber: 1751, 1752 e 1754 (VIEIRA JUNIOR, 2017). Por que vieram? A política de migração dos açorianos era antiga e constantemente se recorria a ela para povoar determinadas regiões do império português. Nos de 1748-1750 houve uma grande epidemia na Amazônia que atingiu principalmente a força de trabalho mais importante: a indígena. Isso significa que muitos morreram e foi necessário recorrer aos ilhéus para povoar.
            A necessidade de gente para povoar somada às crises de produção de cereais, epidemias, secas, abalos sísmicos e vulcões no arquipélago de Açores formou a conjuntura favorável. Os migrantes vieram, sobretudo, para defesa dos territórios. Deveriam cultivar a terra para se fixarem e assim protegerem determinadas áreas da Amazônia, como Macapá.
            Apesar de que em muitas ocasiões, para buscar alternativas de vida os próprios açorianos pediram para se alistarem como migrantes, mas isso não foi uma regra. Para o embarque da segunda leva em 1752 para o Grão-Pará e consequentemente parte para Macapá houve dificuldades, pois ocorreram arrependimentos e fugas (VIEIRA JUNIOR, 2017). A cota para virem ao Grão-Pará era de 1.000 pessoas, mas as duas primeiras levas não foram suficientes. Os navios contratados para o transporte, Nossa Senhora da Piedade e São Francisco de Paula, trouxeram em 1751 e em 1752 respectivamente 427 e 428 indivíduos exclusivamente da ilha Graciosa (VIEIRA JUNIOR, 2017).
            É corriqueiro lermos ou escutarmos que os primeiros povoadores europeus do sítio de Macapá foram “casais” açorianos. Alguns detalhes devem ser explicados, por exemplo, que nem todos foram deslocados à Macapá. Muitos outros foram para as vilas de Bragança e Ourém. Os açorianos eram brancos e trouxeram também as suas crenças e manifestações religiosas. Para São José de Macapá eles levaram a festa do Divino Espírito Santo que incorporou elementos das culturas dos negros (murta, tambores, batuques etc). Dessa forma de mistura ou sincretismo surgiu o Marabaixo que é uma festa do catolicismo popular (LOBATO, 2012).
Chama-se “casais”, pois o núcleo em geral era o pai e mãe, mas não eram somente eles. “Casais” significa o agrupamento familiar que podia variar. Em geral eram os pais, filhos e outros agregados (genro, nora, viúva, netos). A Coroa portuguesa preferia as relações de parentesco para facilitar a adaptação no novo lar. A família ajudava nesse processo e por isso a proibição da emigração de indivíduos isolados. No entanto, dadas as dificuldades no alistamento de pessoas dispostas a migrar foi permitida a vinda de pessoas sem laços diretos de parentesco, os fâmulos ou “companhias” (VIEIRA JUNIOR, 2017).
            No transporte de 1752 foram ao Pará 77 “casais” e apenas um não era composto por marido e mulher. Era um homem com suas duas irmãs e duas “companhias” masculinas. Sempre se buscou um equilíbrio entre a quantidade de homens e mulheres para facilitar o povoamento, logo nessa política institucional de povoamento a presença feminina foi marcante (VIEIRA JUNIOR, 2017).
            Para ficar mais claro, veja um exemplo do “casal” “68” embarcado em 1752. Neste “casal” foi agregada a viúva Francisca de Jesus com os seus seis filhos. Francisca não formava um “casal” específico, mas fora contada no “68”. Para finalizar a questão dos “casais” darei mais um exemplo da viagem em 1752: o “casal” “8” se resumiu ao marido e mulher, mas o “20” além do marido e mulher foi composto por 5 filhos, um irmão do marido e mais 7 “companhias” (VIEIRA JUNIOR, 2017). Apesar dessas diferenças, em geral na viagem de 1752 os “casais” eram formados pelo núcleo familiar, ou seja, pais e filhos. Por fim, quando ler ou ouvir falar dos “casais” açorianos que vieram povoar e viver em Macapá já sabe o significado.
            As profissões dos açorianos embarcados para o Grão-Pará são variáveis: “trabalhadores”, agricultores, alfaiates, barbeiros, carpinteiro, pedreiro, estudantes, fiadeiras, costureiras, tecelãs. Certamente por isso após a chegada dos primeiros povoadores em Macapá no final do ano de 1751 destacava-se a produção de algodão (VIEIRA JUNIOR, 2017).

Famílias açorianas formaram o povoado de Macapá


Caro leitor, você já tem conhecimento que os açorianos vindos para Macapá e outras vilas saíram prioritariamente da ilha Graciosa. Outro ponto que teimo em repetir é que aqui muito antes dos colonizadores viviam vários povos indígenas, principalmente os Tucuju e Aruã.
O Cabo do Norte (atual Amapá) esteve desde o início do reinado de D. José I no “olho do furação”, ou seja, a preocupação era grande devido as investidas de franceses e holandeses que comercializavam com os indígenas. O rei pediu a Francisco Xavier de Mendonça Furtado que enviasse missões religiosas com o intuito de garantir a posse e povoar: “as Missões do cabo do Norte, onde cuidareis em estabelecer não só povoações mas também logo alguma defesa para fazer barreira desse Estado [...]” (Instruções régias, públicas e secretas  para Francisco Xavier de Mendonça Furtado ..., 31 de maio de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 73). Observe que havia necessidade não apenas de povoar, mas também defender militarmente a região e por isso o rei pediu ao governador que verificasse como deveria ser construída a fortificação na costa de Macapá, pois o pequeno reduto que lá existia não oferecia condições de segurança. No trecho das instruções percebe-se o que chamo de “tripé” da colonização: missões religiosas, povoamento através de vilas e edificações de fortes ou fortalezas. Para o povoamento a saída foi a organização da vila de São José de Macapá.
D. José I instrui o governador do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado para que ficasse atento e orientasse os povoadores açorianos que estavam a vir para que eles se dedicassem: “ao trabalho e cultura das terras, na forma que praticavam nas ilhas [...] evitando-se assim uma ociosidade muito prejudicial” (Instruções régias, públicas e secretas para Francisco Xavier de Mendonça Furtado ..., 31 de maio de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 71). Neste mesmo documento indica-se que os açorianos não poderiam se “distrair” com a tentativa de encontrar ouro ou diamante, mas focar na agricultura e pecuária. Dessa forma, percebe-se que o objetivo da vinda dos ilhéus era para produzir produtos agrícolas e trabalhar na criação de animais (gado e vaca), assim, poderiam ser fixados no território e garantiriam o povoamento da região.
Em 6 de outubro de 1751, Mendonça Furtado comenta sobre a chegada dos colonizadores e que pretende enviá-los à Macapá: “em cujo sítio, se as informações que me dão são verdadeiras, se poderá fazer uma povoação rica, abundante, e sumamente interessante ao Estado” (Carta de Mendonça Furtado ao seu pai, Francisco Luís da Cunha de Ataíde 6 de outubro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005,  p. 86). Nessa e em outras correspondências do governador é nítido o sentimento de esperança que ele nutria pelo desenvolvimento do “sítio” de Macapá que era a sua “menina dos olhos”. Acreditava que o povoado poderia ajudar o Estado a sair da situação precária em que ele afirmava estar.
Os açorianos chegaram ao porto de Belém em 29 de agosto de 1751, perfazendo o total 486 pessoas. Mendonça Furtado informa ao rei que os da ilha Terceira vieram muitos idosos e crianças, ou seja, não se esperava pessoas dessas faixas etárias para o empreendimento que ele planejava. Precisava-se de adultos para poder trabalhar e edificar a vila de São José de Macapá. Manter os ilhéus em Belém custava muitos recursos que o Estado do Grão-Pará não dispunha. Os primeiros a embarcarem à Macapá, com muita dificuldade, devido a falta de indígenas remeiros saíram em 1º de novembro de 1751 e os últimos da primeira leva foram embarcados em 25 de janeiro de 1752, porém ficaram alguns doentes na capital (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao rei D. José I em de 25 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005 ).
Em 19 de dezembro de 1751 ocorreu o segundo translado, partiram canoas levando açorianos para Macapá no total de 68 pessoas e unindo com as que já estavam perfazia o total de 302, “fora soldados; ainda me restam perto de 200, que espero transportá-las até 15 de janeiro” (carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao futuro secretário de Estado, Tomé Joaquim da Costa Corte-Real em 19 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 175). Vale ressaltar que as condições desses povoadores eram péssimas quando estavam em Belém aguardando o transporte, pois o governo pouco ajudou. Mendonça Furtado afirma que eles vieram “sem botica ou remédio algum, e foi preciso fazer-lhes uma pequena botica para levarem” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao marquês de Penalva em 20 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 180). Isso demonstra que vieram dos Açores sem qualquer estrutura ao ponto de que nem remédios possuíam.
As dificuldades que encontrou no transporte dos povoadores para Macapá foram recorrentes nas correspondências do governador. As causas foram a falta de recursos e “de canoas e remeiros” (carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao Secretário de Estado Pedro da Mota e Silva em 2 de dezembro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 140-141). Os indígenas eram essenciais na construção das canoas e principalmente para remar. Os “remeiros” além de possuir esta habilidade sabiam os caminhos e os melhores locais por onde passar a noite, descansar. Em geral pagavam eles com panos, farinha etc.
Em correspondência anterior, Mendonça Furtado afirma que havia transportado para Macapá apenas 234 (das 486) pessoas em três expedições, pois “nem tenho achado índios, nem canoas, nem modo algum de mandar esta gente tão depressa como era razão que fosse” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo José da Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 147). Ao analisar a mesma carta percebe-se que não apenas os povoadores foram enviados, mas também soldados. Os responsáveis por acompanhar os primeiros ilhéus à Macapá foram o ajudante Manoel Pereira de Abreu e o padre Miguel Ângelo de Morais.
Mendonça Furtado orientou o ajudante para que ao chegar ao seu destino distribuísse farinha de mandioca aos povoadores e “o primeiro serviço em que deve empregar a maior parte da gente é em fazer Tujupares, em que se recolhem não só os que agora vão mas os que sucessivamente hão de ir chegando [...]”(carta escrita em 31 de Outubro de 1751. In: REIS, 1949, p. 55). Isso significa que deveriam construir seus “Tujupares” que eram tendas ou choupanas de palha, ou seja, habitações simples e os que fossem chegando também deveriam seguir esta mesma recomendação. O governador afirmou que já havia enviado alguns indígenas para assistirem com a pesca e caça aos moradores. Aos colonos competia a tarefa de “roçar, e plantar milho, e mais mantimentos de que possam colher fruto com brevidade [...]”(carta escrita em 31 de Outubro de 1751. In: REIS, 1949, p. 55).
  O primeiro governante enviado para organizar a vida no povoado foi o capitão-mor João Batista de Oliveira. Mandou também o padre Miguel Ângelo de Morais para atender as necessidades espirituais dos portugueses. Já havia enviado um “cirurgião” que dirigiu-se à Mendonça Furtado com “lágrimas nos olhos”, pois não possuía sapatos e pediu dinheiro para pagar uma pequena dívida, pois já estavam para prendê-lo. Segundo o documento, a maior parte das pessoas que foram transportadas na primeira leva eram “mulheres, crianças e velhos. Homens de trabalho são os menos, por cuja razão era impossível dividi-los” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo José da Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005,  p. 148).
            Na carta abaixo endereçada Gonçalo José da Silveira Preto, do Conselho Ultramarino, o governador afirma que:

“Não me pareceu que nada estava primeiro que povoar do que o Macapá, por que temos por ali maus vizinhos, e com boas terras, conforme me dizem, e na ocasião presente, sem meios, ou modo de transportar estas gentes para parte mais longe, ali os vou aquartelando, e em saindo a Frota, se Deus me der saúde, vou logo fundar a nova Povoação de São José, se S. Maj. For servido que assim se chame, e depois declarar-me se quer que seja vila ou cidade, ou que fique em lugar [...]” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo José da Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005,  p. 148).

            Percebe-se a prioridade dada para o sítio de Macapá, pois havia receio de que os “maus vizinhos”, isto é, os franceses que estavam em Caiena se estabelecessem na região. Aqui, ele sugere o nome para nova povoação: São José em homenagem ao rei e ao seu santo patrono. Também fica na espera se será uma vila, lugar ou até cidade. Os colonizadores enviados à Macapá tiveram inicialmente uma boa impressão do lugar. Segundo Mendonça Furtado, os remadores que levaram os primeiros povoadores ao retornarem informaram que eles “estavam muito contentes, porque a terra era boa, e que tinham visto uma grande abundância de peixe e caça” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo José da Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005,  p. 149).
            Voltando a questão de ser uma cidade ou vila, Francisco Xavier de Mendonça Furtado preferia que fosse uma cidade, pois:

“com o grande estabelecimento que tem podia S. Maj. Fazer cidade, porque de primeiros povoadores há de perto de 600 pessoas brancas, certamente, sem mescla, não as tem nenhuma deste Estado, e em poucos anos me persuado que há de ser a mais florescente de todas [...]” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça em 25 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 281).
            Aqui o sentimento de esperança em relação ao povoado de São José de Macapá transparece por meio da frase: “há de ser a mais florescente de todas”. Também a ideia de “civilizar” vem a tona, pois o governador faz referência a suposta 600 pessoas brancas que viviam em Macapá e que isso significa superioridade em relação aos indígenas. O fato de serem brancos era um marcador importante para aquela sociedade.
            O capitão-mor João Batista de Oliveira, primeiro administrador do povoado de São José de Macapá, partiu para o lugar com as instruções daquele que lhe escolheu para função, ou seja, Mendonça Furtado. Sua função seria conter:

“aqueles novos moradores na paz, mas que também os persuada ao trabalho e cultura das terras, não deixando precipitar esta gente no abominável vício da preguiça, nem no outro igualmente pernicioso que é o do desprezo do trabalho manual [...]” (Instrução que levou o capitão-mor João Batista de Oliveira quando foi estabelecer a nova vila de S. José de Macapá em 18 de dezembro de 1751. In:  p. 171).

        Cabia ao comandante de Macapá cuidar para que não houvesse qualquer forma de insubordinação entre os moradores, eles deveriam focar na prática da agricultara e evitar o “abominável vício da preguiça”. Como citado anteriormente, a ideia era que os ilhéus produzissem e se fixassem em Macapá . João de Oliveira deveria insistir para que os moradores não deixassem seus trabalhos a cargo dos indígenas.
            Nas instruções dadas a João Batista de Oliveira, Mendonça Furtado pede para que os colonos não abusem dos indígenas, pois na Amazônia o costume é de que apenas os ameríndios trabalhem. Os açorianos deviam fazer uso somente dos nativos destinados à caça e pesca.  O comandante recebeu orientações de iniciar as construções das habitações, ou seja, não houve um planejamento para acolher, transportar e introduzir os ilhéus em Macapá. Porém, além da caça e da pesca os indígenas com os seus trabalhos e saberes foram indispensáveis também nas construções das casas dos novos moradores que agora se intitulavam os donos do lugar.
            Sobre os indígenas, Mendonça Furtado assim se expressou:

“Quando do ano passado mandei povoadores para o Macapá, mandei que das aldeias vizinhas fossem para aquele sítio 60 índios para ajudarem aquela pobre gente a fazer casas em que se deveriam recolher e pescar algum peixe para sua sustentação.
Em pouco tempo fugiram 22, ou 23, e foram buscar as suas aldeias que eram a de Tubarê e Guarimoçu [ou Mocu], e perguntando eu por eles quando ali cheguei, me constou que os missionários não só não lhes não estranharam o fugirem do serviço de S. Maj. mas, antes o estimaram muito , e os meteram no mato a tirar drogas para sua Religião, onde se achavam no tempo que eu estive nas ditas aldeias” (Carta de Mendonça Furtado a Sebastião José em 11 de novembro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005,  p. 378-379).

A exploração dos trabalhos dos indígenas foi indispensável para a feitura da povoação, assim como, para o sustento dos moradores açorianos que nada conheciam da Amazônia e em quase tudo dependiam dos ameríndios. Porém, os indígenas não aceitavam passivelmente as condições impostas pelos colonizadores. Conforme a carta destinada ao marquês de Pombal mais de 20 fugiram e retornaram para missões onde viviam aldeados. Esses indivíduos que fugiram de Macapá foram acobertados pelos religiosos que os enviaram para coleta das drogas do sertão.
           Outro fator que não faltou nas instruções ao governante de Macapá foi o cuidado com os franceses que desde o século XVII estavam estabelecidos em Caiena. Assim Mendonça Furtado orientou: 

“será preciso que V. mercê proíba e vigie com todo o cuidado que por nenhum caso ou acontecimento que haja possam ter os ditos povoadores comunicação com a dita Praça [Caiena]; e ao que transgredir esta ordem prenderá V. mercê logo e mo remeterá a esta cidade para castigar exemplarissimamente, na conformidade das leis de S. Majestade” (Instrução que levou o capitão-mor João Batista de Oliveira quando foi estabelecer a nova vila de S. José de Macapá, 18 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 172-173).
 
Desde o século XVII que os franceses vinham ao Cabo do Norte para comercializar com os indígenas. Além disso, estava viva na memória a invasão deles ao forte de Santo Antônio de Macapá em 1697. Apesar do tratado de Utrecht (1713) ter estabelecido que a fronteira fosse o rio Vicente Pinson ou Oiapoque, na prática os franceses nunca respeitaram. A proteção contra os estrangeiros foi um dos motivos que levaram a criação da vila de Macapá.
A preocupação em relação ao povoado de São José de Macapá não era apenas a necessidade de povoar e desenvolver a região, mas também de proteger o território. Em carta endereçada a Diogo de Mendonça Corte-Real datada de 9 de janeiro de 1752,  Mendonça Furtado pede um oficial engenheiro para edificar e reedificar as diversas fortalezas da região. Em relação à Macapá ele escreve: “e seria sumamente precisa a vinda deste oficial para o desenho da Fortaleza do Macapá, a qual hoje não passa de um pequeno terrapleno, sem outro material que a mesma terra, na forma que me dizem” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo de Mendonça Corte-Real em 9 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 234). Havia um pequeno reduto desde 1738 que não oferecia segurança e por isso a necessidade de outra fortificação. Em outra carta, ele afirma que Macapá é a “chave das Amazonas(Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao Bispo Dom Miguel de Bulhões em 3 de outubro de 1755. In: MENDONÇA, t. II, 2005,   p. 286) e por isso a necessidade de proteção.
A vida dos colonizadores em Macapá não foi fácil, pois enfrentaram dificuldades em se adaptarem com o novo lar que era muito diferente de onde haviam vivido. Tanto que pediram ao governador um “cirurgião” para tratar dos enfermos. Mendonça Furtado enviou o “cirurgião” e depois remédios para tentar curar os necessitados. Prometeu que enviaria vacas, éguas e farinhas para os moradores. Havia no início de 1752, 456 açorianos sem contar soldados e indígenas. O governador escreveu ao rei D. José I que logo iria visitar Macapá para:

“repartir as terras pelos moradores, na forma que V. Maj. Manda, e a dar todas as providências que me parecem precisas para o aumento da terra, e também para a defesa de qualquer invasão que intentem os franceses, sem embargo que essa será mais dificultosa, porque não temos naquele sítio mais que um pequeno conduto [reduto?] com o nome de Presídio de Macapá, o qual é fabricado de terra e sem defesa alguma” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao rei em de 25 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005,  p. 280).

            Sempre a preocupação com os franceses transparece nas correspondências e a necessidade de fortificar, pois o “presídio de Macapá” não oferecia condições de defesa. Mendonça Furtado para cumprir a promessa de visitar o novo povoado saiu de Belém no dia 24 de fevereiro de 1752 chegou em 6 de março e permaneceu até o primeiro dia do mês seguinte (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao desembargador João da Cruz  Diniz Pinheiro em 6 de novembro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005).
            O governador foi sabendo das condições difíceis em que se encontravam os moradores de Macapá, soube que uma epidemia se alastrava no povoado e por isso levou um médico para cuidar dos enfermos. Em sua chegada, no início de março, ele descreveu o que observou: “Nella achey bastantes enfermos com Diarreas de sangue, e febres as quais o Médico remediou com felicidade havendo-se comos enfermos com sua caridade, zelo e cuidado” (Carta de 1º de novembro de 1752. In: REIS, 1949, p. 60). Muitos doentes com “diarreas de sangue” e “febres” foram tratados pelo médico que ele tinha levado.
Mendonça Furtado pediu galinhas aos missionários das aldeias da redondeza para tratar dos enfermos, no entanto, foram insuficientes e por isso pediu ao missionário da aldeia de Arassatuba que enviasse mantimentos. Em poucos dias veio: 

“o Principal daquela Aldeia com hua canoa com tartarugas, milho e alguas miudezas mais, que tudo se lhe pagou pontualmente por preço bem fora do uso destas terras porque velhos e não paga aos Indios nada pelo seu justo valor” (Carta de 1º de novembro de 1752. In: REIS, 1949, p. 61).

            Os “principais” eram como os portugueses designavam os líderes indígenas e a aliança com eles foi fundamental para o avanço da colonização. O principal da aldeia de Arassatuba levou milho, tartaruga e algumas miudezas e recebeu por isso o seu pagamento.
            O governador julgou que o povoado estava bem situado e as condições eram favoráveis para o desenvolvimento. Ele orientou mais uma vez que o rei fizesse uma fortificação para proteger a região e os moradores. Mendonça Furtado ao analisar o sítio de Macapá mandou abrir uma vala para que as águas de um lago descesse para o rio, assim como, abrigar canoas que aportavam. Para abrir clareira com o intuito de construir habitações e plantações ele mandou pessoas roçarem uma área de mato (Carta de 1º de novembro de 1752. In: REIS, 1949).

 Os indícios de como foi a vida no povoado de Macapá


Não encontrei muitas fontes que descrevessem diretamente o cotidiano de Macapá no início dos anos 50 do século XVIII, mas das que analisei é possível perceber o que fizeram. O administrador de Macapá, João Batista de Oliveira, logo nos primeiros dias da chegada dos açorianos escreveu a Francisco Xavier de Mendonça Furtado onde afirmou que “Desta povoação donde tem plantado alguns legumes, milho e frutas”, ou seja, focaram no trabalho da agricultura, mas afirma não ter mais sementes. Comunicou que cada morador estava “limpando o seu pedaço e plantando”. Reclamou do aparecimento de doenças: “diarreias de sangue”. Faltava alimentação aos doentes e até 10 pessoas idosas chegaram a falecer. Assevera que os indígenas também estão sofrendo e “tem morrido alguns e vão fugindo outros”. Afirma que estão construindo os “tijopares e as casas”. Relata a chegada de ferramentas e de um sargento que trouxe 12 indígenas para cortar madeira (Carta de João Baptista de Oliveira a Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 31 de Janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005).
            No início enfrentaram as dificuldades devido a não adaptação à região, doenças, mortes. Chamo atenção para a importância das populações indígenas na construção do povoado de São José de Macapá. Quem ajudava nos roçados? Quem ia buscar e cortar madeiras? Quem construía os “tijopares”? Certamente os nativos. Mas, não se permitiam ser facilmente explorados pelos moradores açorianos e muitos fugiam para as missões de onde viviam ou em busca de outros horizontes em aldeias. Infelizmente tanto a historiografia tradicional quanto a população não percebeu estes sujeitos como construtores de Macapá.
            Abaixo a imagem da primeira página da carta de João de Oliveira à Mendonça Furtado. Consegue ler?
  
                                          Trecho da carta de João de Oliveira à Mendonça Furtado (1752)
Fonte: Carta de João Baptista de Oliveira para Francisco Xavier de Mendonça Furtado, relacionada com assuntos da Povoação de São José de Macapá, no Rio Amazonas]. - São José de Macapá 31 de Janeiro de 1752. Disponível em: http://purl.pt/28384#dcId=1580350395569&p=20

             Nesta outra carta o administrador de Macapá relata fugas dos indígenas:
 
                              Trecho da carta de João de Oliveira à Mendonça Furtado (1752)

Fonte: Carta de João Baptista de Oliveira a Francisco Xavier de Mendonça Furtado relatando as novidades mais importantes da Fortaleza de São José de Macapá no Rio Amazonas, com referências ao Pará]. - São José de Macapá (Rio Amazonas) 20 de Fevereiro de 1752. Disponível em: http://purl.pt/28390#dcId=1580386423518&p=15
              Com cerca de um ano da chegada dos primeiros colonizadores para formar Macapá, eles ainda não conheciam o regime de chuvas e marés e tiveram que se adaptar. Alguns tentaram roçar, mas as chuvas impediram a continuidade. Depois fizeram a segunda roça, mas o longo período de estiagem fez com que as plantações de milhos e feijões não obtivessem o resultado esperado (Carta de 1º de novembro de 1752. In: REIS, 1949). Na carta ao rei D. José I, percebe-se que os açorianos estavam experimentando o que podiam plantar. Os trabalhadores plantaram nabo, tabaco, algodão. O governador mandou buscar semente de urucum para serem plantadas e percebeu que na pequena aldeia dos indígenas que viviam por ali já havia o cultivo de milho, arroz e feijão. Porém, um problema devastava as plantações de mandioca e outros produtos: as formigas que eram verdadeiras inimigas dos colonizadores.
            Com o trabalho dos indígenas e dos moradores de Macapá produzia-se arroz no povoado. Vejamos o elogio que Francisco Xavier de Mendonça Furtado faz em 1757:

“O arroz se dá excelentemente nestes países, principalmente nas terras contíguas a Nova Vila de São José do Macapá, do qual remeto a V. Me. uma amostra para o mandarem beneficiar, e quando chegou a frota o estava eu comendo, e não achei diferença alguma não só no da Carolina, mas nem ainda do de Veneza; se a V. Mcês. parecer, também darei todas as providências  por que a cultura deste gênero seja o principal objeto daqueles povos, que na verdade é um ramo importantíssimo para o nosso Comércio” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado aos diretores gerais da Companhia de Comércio em 15 de novembro de 1757. In: MENDONÇA, t. III, 2005,  p, 371).

Dessa forma, além da produção de milho, farinha, feijão o foco de trabalho dos moradores de Macapá foi o arroz que chegou a ser vendido para Belém e até para Lisboa.
Do final de 1752 até 1757 o ouvidor João da Cruz Diniz Pinheiro foi para Macapá onde se destacou na organização da comunidade, pois passou a ser o novo administrador do povoado. Supostamente fez as primeiras plantas da vila, assim como, de punho próprio com a pouca ajuda fez a obra na igreja.  A partir de 1757, o sargento-mor engenheiro Tomás Rodrigues da Costa foi o administrador do povoado. Vejamos as referidas plantas com os nomes dos “cabeças” das famílias e os locais onde veriam morar:


Mapa da Povoação antiga de Macapá (1754)
 
Fonte: Araujo (1998, p. 152).

                                                     Planta da nova povoação que se há de fazer (1754)
Fonte: Araujo (1998, p. 153)

A oficialização da vila de São José de Macapá


               Francisco Xavier de Mendonça Furtado chegou em 1º de fevereiro de 1758 para elevação da vila de São José de Macapá que ocorreu no dia 4 do mesmo mês.  No dia 8 escreveu ao bispo do Pará:
“Logo depois que cheguei fui ver o estabelecimento da nova vila e fiquei inteiramente satisfeito porque além de se achar muito adiantada tem duas praças de mais 800 palmos de comprido e de 700 de largo, na primeira das quaes esta a parochia na segunda lhe levantey o poleirinho, como desejara que V. Excia viesse a esta vila para a abençoar e desta sorte receber a sua última felicidade” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao bispo do Pará em 8 de fevereiro de 1758. In: ARAUJO, 1998, p. 157).

            Segundo Arthur Vianna:

“Quando em princípios de 1758, partiu novamente o governador para o Rio Negro, a encontrar-se com o plenipotenciário e primeiro comissário castelhano das demarcações, esteve de passagem em Macapá e ai assistiu, no dia 4 de fevereiro a cerimônia da elevação da povoação à categoria de vila, com o nome de São José de Macapá.
Presidiu e dirigiu o ato de levantamento do pelourinho, na praça de São Sebastião, o ouvidor geral e corregedor Paschoal de Abranches Madeira Fernando”. (VIANNA, 1905, p. 282).

            Ao novo administrador da vila de São José de Macapá, Mendonça Furtado deixou instruções para que cuidasse da construção da igreja, depois a casa da câmara e a casa do pároco. Com relação às casas não era permitido aos moradores mudanças por fora, mas apenas na parte interna. Pede que troquem palhas pelas telhas e que criou uma olaria para este fim (Instrução de Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 12 de fevereiro de 1758 ao sargento-mor Tomás Rodrigues da Costa, In: ARAUJO, 1998,, p.158).
            A vila foi crescendo e foi necessário remodelá-la segundo os interesses metropolitanos. Em 1761, o engenheiro alemão Gaspar João Geraldo de Gronsfelde que vivia em Macapá há alguns anos projetou uma nova planta que contém aspectos interessantes.
            Há toda a divisão em lotes para os moradores, o forte de faxina indicado pela letra “c” esta fortificação foi planejada pelo engenheiro Gronsfelde em 1761 e já se sabia ser provisório e foi construído para defender apenas em caso de necessidade extrema, pois sua estrutura era muito limitada. Questão que foi resolvida com a fortaleza de São José de Macapá.
            Chama atenção o tamanho e a presença das duas praças na vila, algo não tão comum na América portuguesa (Brasil). Uma foi chamada de São Sebastião (letra M) em homenagem ao marquês de Pombal que ficava de frente com a igreja dedicada à São José (letra A) e a outra foi intitulada de São João (letra N) em homenagem ao rei D. João (ARAÚJO, 1998). Nesta última foi instalado o pelourinho (letra B) como símbolo da liberdade municipal e para punições aos escravizados que cometessem crimes.
            A planta indica onde ficava o açougue, quartel, porto, casa do vigário, casa da câmara, casa do comandante. Até os nomes das ruas e travessas são indicados, por exemplo, a rua que passava em frente a igreja era chamada de São José (como hoje). Percebe-se um gigantesco lago que por vezes dificultava a vida dos moradores (lembre que até hoje o centro da cidade alaga. Entendeu o porquê?). Para poder visualizar melhor a planta, clique no link e você poderá aumentar o zoom.


Planta da vila de São José de Macapá feita pelo capitão engenheiro Gaspar João Geraldo de Gronsfelde (1761)


Considerações finais

            A ideia inicial era escrever um texto curto e mais didático, ou seja, menos enfadonho. Mas no decorrer da escrita as ideias foram fluindo e percebi que o leitor ou leitora merecia algo mais completo. Infelizmente produzi quase um “TCC” (risos). Não consegui escapar de um estilo relativamente acadêmico, a despeito das tentativas de fuga. Tentei, mas não fui feliz. Não obstante, estou satisfeito de oferecer aos macapaenses de alma e coração uma visão mais ampliada sobre os inícios do sítio, povoado até a oficialização da vila de São José de Macapá. Desculpem pelos erros, pois fiz em três noites consecutivas, ou seja, às pressas.
            Gostaria de destacar alguns pontos, a saber: a anterioridade e a importância dos indígenas na construção do povoado e da vila de São José de Macapá. Outra questão foi o temor que se tinha da possível invasão dos franceses no Cabo do Norte e por isso a necessidade de fortificações desde o século XVII.
            Macapá foi povoada por “casais” de açorianos, sobretudo, da ilha Graciosa que enfrentaram muitas dificuldades em seus novos lares. A vila foi fundada em um lugar estratégico, ou seja, na foz do rio Amazonas por onde estrangeiros poderiam entrar. Seus objetivos foram garantir a posse para Portugal, a presença dos ilhéus teve um quê de necessidade de “civilizar” as gentes que viviam na região, os moradores deveriam trabalhar na agricultura e pecuária para se fixarem e produzirem, sobretudo, o algodão e depois o arroz, isto é, buscaram materializar nesta vila um projeto econômico.

Referências

ARAUJO, Renata Malcher de. As cidades da Amazónia no século XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. 2. ed. Porto: Faculdade de Arquitectura da universidade do Porto, 1998.
LOBATO, Sidney. Amapá: experiências fronteiriças. Belém: Editora Estudos Amazônicos, 2012.

MENDONÇA, Marcos Carneiro de Mendonça. A Amazônia na era pombalina: correspondência do governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 1751-1759. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2005. Tomos I, II e III.

REIS, Arthur Cézar Ferreira. Território do Amapá: perfil histórico. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1949.

VIANNA, Arthur. As fortificações na Amazônia. In: Anais da Biblioteca Pública do Pará. Tomo. IV. Belém: Instituto Lauro Sodré, 1905. p. 227-302.

VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano. Migração Açoriana na Amazônia: conexões entre ilha Graciosa, Lisboa e Grão-Pará. Revista Territórios e Fronteiras, Cuiabá, v. 10, n. 2, p. 342-367, ago./dez. 2017.