quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

As universidades medievais








Com o revigoramento comercial e urbano a partir do século XI na Europa medieval novas demandas e necessidades surgiram para atender a nova realidade urbana-comercial. É neste contexto que surge a figura do INTELECTUAL e as UNIVERSIDADES nos séculos XII, mas principalmente no século XIII. As universidades nascem nas áreas urbanas como respostas as novas demandas socioeconômicas. “O século XIII europeu das cidades e do comércio foi também, e sempre no contexto urbano, o século da Europa escolar e universitária (LE GOFF, 2007,p.174).
As universidades derivam das escolas e foram criadas pela Igreja que foi a instituição mais poderosa da Idade Média. Esta instituição buscava o aperfeiçoamento dos seus quadros e o controle das ideias por meio do ensino.
De qualquer forma, mesmo com a laicização o ensino não deixava de estar na área da cultura clerical, entendida cada vez mais, como já dissemos, como cultura de letrados, e não apenas cultura de eclesiásticos. Nesse processo, surgiram no século XI as escolas urbanas, que se transformariam em universidades no século XIII. Ambas eram produtos do crescimento demográfico–econômico-urbano, que tornava a cidade mais complexa e mais necessitada de atividades intelectuais (FRANCO JUNIOR, 2001, p.159).
E ainda:
Estas universidades são criações eclesiásticas, de algum modo o prolongamento das escolas episcopais, das quais diferem no fato de dependerem diretamente do Papa, e não do bispo do lugar. A bula Parens scientiarum, de Gregório IX, pode ser considerada a carta de fundação da universidade medieval, com os regulamentos promulgados em 1215 pelo cardeal-núncio Roberto de Courçon, agindo em nome de Inocêncio III, e que reconheciam explicitamente aos professores e aos alunos o direito de associação. Criada pelo papado, a universidade tem um caráter inteiramente eclesiástico. Os professores pertencem todos à Igreja, e as duas grandes ordens que a ilustram no século XIII – franciscana e dominicana – nela vão cobrir-se de glória com um S. Boaventura e um S. Tomás de Aquino (PERNOUD,1997, p. 65).


Infelizmente no senso comum é difundida uma visão distorcida sobre a Idade Média como se neste período não a cultura intelectual fora interrompida. Atualmente nem um historiador aceita ou reproduz tal erro. Um exemplo dentre outros foi a universidade surgida neste momento histórico. Segundo o grande historiador medievalista Jacques Le Goff:

“Se essa Europa das escolas ‘primárias e secundárias’ trouxe uma base essencial para o ensino na Europa, a criação mais espetacular e que inaugurou uma tradição ainda viva hoje em dia foi a das escolas ‘superiores’, ditas universidades. Essas escolas receberam, no final do século XII, o nome de studium generale, escola geral, que indicava ao mesmo tempo um status superior e um ensino do tipo enciclopédico” (LE GOFF, 2007, p.174).

Inicialmente o mestre universitário foi acusado de vender aquilo que pertence a Deus, ou seja, a ciência, porém com o crescimento da sua importância sua atividade foi justificada. Ele possuía a função da reflexão e escrita, bem como, do ensino o que levou Le Goff a chama-los de “intelectuais da idade média”.
Aos poucos as universidades foram adquirindo autonomia em relação aos poderes das cidades e dos reis, no entanto, por pertencerem à Igreja tiveram que aceitar intervenções. Vejamos como eram essas:
Em compensação, as universidades, por serem instituições da Igreja, tiveram que aceitar as intervenções pontifícias. Mas estas foram, em geral, distantes e leves. Em certos casos, o bispo do lugar utilizou seu poder teórico para intervir brutalmente nos assuntos da universidade fazer reinar aí uma espécie de censura (2007, p.175).

As primeiras universidades

Para o medievalista Jacques Le Goff as universidades constituíram-se nas cidades como corporações, aliás o termo universidade quer dizer justamente isso, “e que apareceu pela primeira vez em 1221 em Paris, para designar a comunidade de mestres e de estudantes parisienses” (LE GOFF, 2007, p.174).
A primeira universidade foi a de Bolonha que desde 1154 recebia privilégios do imperador Frederico Barba ruiva, porém recebeu seus estatutos do papa somente em 1252.  A universidade de Paris recebeu privilégios do papa Celestino III em 1174 e do rei da França em 1200. Porém recebeu o estatuto do legado pontifício em 1215. As universidades de Oxford, Cambridge e Montpellier foram fundadas no início do século XIII.
Herdamos do século XIII o recurso à greve e a mais longa e conhecida foi a dos mestres e alunos da universidade de Paris que durou de 1229 a 1231 devido a hostilidade do bispo e da rainha Branca de Castela.
Legou-se também do século XIII a ideia de “intercambio” tão comum nos dias de hoje. Era comum na idade média mestres e estudantes universitários saírem de forma itinerante em busca do saber. Onde a reputação de uma universidade ou de um mestre aumentasse os universitários corriam para lá. Os grandes mestres do século XIII foram os padres Alberto Magno, Tomás de Aquino e Boaventura. 

A vida universitária

Segundo as constituições das disciplinas as universidades em geral possuíam quatro faculdades, porém sempre uma sobressaía sobre as outras. A de Bolonha destacou-se a de Direito, Paris a de Teologia, Montpellier a de Medicina.

Havia uma hierarquia pelo lugar do curriculum e pela dignidade de uma faculdade de base propedêutica, a faculdade das artes em que se ensinavam as artes do trivium (gramática, retórica, e, sobretudo, dialética,), e as artes do quadrivium (aritmética,geometria, astronomia e música). Esta faculdade foi, de fato, muitas vezes dominada pelas disciplinas que hoje chamaríamos de científicas (LE GOFF, 2007, p.177).

Mais importante que a faculdade das artes estava as especializações que podiam atrair os estudantes: a faculdade de Direito em que se estudavam o civil e o canônico; a faculdade de medicina com ensino mais livresco e teórico e a principal a faculdade de Teologia.
O diploma de maior reputação era o mestrado em Teologia adquirido ao final de onze anos de estudo. Interessante a citação de Le Goff:

O primeiro estágio era o bacharelato, uma espécie de iniciação comparável com aquela que o jovem nobre, o bacharel, adquiria ao entrar na cavalaria. Em seguida vinha o diploma essencial, a licentia ubique docendi, a licença de ensinar em toda parte, que se tornou nossa licenciatura. Só o papa podia conferir às universidades o direito de dar esse título e o privilégio daí decorrente. O terceiro e último grau superior era o doutorado, que fazia de seus beneficiários mestres (LE GOFF, 2007, p.180).

Assim entende-se as origens de muitos termos tão comuns na experiência universitária atual. Vale ressaltar que o título de mestre não era reservado somente aos nobres como pode-se imaginar. Os nãos nobres também poderiam recebê-lo. Vários filhos de camponeses receberam o título, porém era exceção. O custo na universidade era elevado e poucos conseguiam manter-se mais de 2 anos na universidade. Os formados nas universidades apossaram-se dos postos mais elevados de poder na Igreja e junto das autoridades leigas. Não esqueçamos que a língua usada nas universidades medievais era o latim.
Esse mundo matizado possui uma língua comum, o latim, única falado na universidade. É sem dúvida o que lhe evita ser uma nova Torre de Babel, apesar dos grupos diversificados de que é composta. O uso do latim facilita as relações, permite aos sábios comunicar-se de uma ponta à outra da Europa, dissipa de antemão qualquer confusão na expressão, e salvaguarda também a unidade de pensamento. (PERNOUD, 1997, p. 65-66)

As universidades atraíam estudantes de todas as partes da Europa, pois o uso do latim como língua comum facilitava o intercâmbio. “Elas atraem numerosos estudantes; apelam para mestres muitas vezes renomados e até ilustres; é lá que se elabora um novo saber, resultado das pesquisas do século XII, a escolástica” (LE GOFF, 2007, p. 145).
Para a historiadora francesa Régine Pernoud:

Como método, utiliza-se sobretudo o comentário. Segundo a matéria ensinada, lê-se um texto — as Étymologies (Etimologias) de Isidoro de Sevilha, as Sentences (Sentenças) de Pedro Lombardo, um tratado de Aristóteles ou de Sêneca — e glosa-se o texto, fazendo todas as observações às quais ele pode dar lugar, do ponto de vista gramatical, jurídico, filosófico, lingüístico, etc. Portanto esse ensino é sobretudo oral, dá espaço importante à discussão — questiones disputate — de assuntos na ordem do dia, tratados e discutidos pelos candidatos na licenciatura perante um auditório de professores e alunos.(PERNOUD, 1997, p.67)

Portanto, as universidades medievais foram criações num contexto de mudanças na baixa Idade Média. Momento em que surge a figura do mercador e desenvolve-se a utilização do dinheiro. Apesar de ser uma criação da Igreja Católica aos poucos vai separando-se obtendo autonomia. Fica um exemplo de que devemos muito à Idade média.

Referências

FRANCO JUNIOR, H. A Idade Média: nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001.
LE GOFF, Jacques. As raízes medievais da Europa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007;
LE GOFF, Jacques. Por um novo conceito de idade média: tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa: Estampa, 1979.
PERNOUD, Régine. Luz sobre a Idade Média. Lisboa: Europa –América, 1997.

Por Professor Bruno Rafael



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