sábado, 12 de dezembro de 2015

A concepção do natal nos Padres da Igreja




Todos os anos ao chegar o mês de dezembro somos irremediavelmente tomados pelo “espírito” natalino, ou seja, clima de festas, confraternizações, filantropia, enfeites e claro o consumo desenfreado. Sob a égide do capitalismo o período natalino é marcado por idas e vindas ao templo shopping onde o deus mercado é cultuado. Dessa forma, a voz dos Padres da Igreja que foram pessoas que viveram entre os séculos II e VII e com seus escritos e testemunhos contribuíram para o aprofundamento e desenvolvimento da fé cristã.
Infelizmente muitos escritos perderam-se pelos caminhos da história, no entanto, a reflexão sobre a encarnação do verbo divino chegou até nós. O natal de Jesus percebido pelos Padres faz-nos recordar do sentido da natividade do mestre. Sem dúvida a preocupação principal não foi o natal, mas o mistério da Páscoa do Filho de Deus.
O papa S. Leão Magno que foi pontífice entre 440 – 460 num dos seus sermões sobre o natal afirmou:
A bondade divina sempre olhou de vários modos e de muitas maneiras pelo bem do gênero humano, e são muitos os dons da sua providência, que na sua clemência concedeu nos séculos passados. Porém, nos últimos tempos superou os limites da sua habitual generosidade, quando, em Cristo, a própria Misericórdia desceu aos pecadores, a própria Verdade veio aos extraviados, e aos mortos veio a Vida. O Verbo, co-eterno e igual ao Pai, assumiu a humildade da nossa natureza humana para nos unir à sua divindade, e Deus nascido de Deus, também nasceu de homem fazendo-se homem.

Neste texto de S. Leão Magno enfatiza a beleza da bondade divina que por puro amor Deus desceu do céu para resgatar a natureza humana e uni-la  definitivamente à verdadeira imagem do Pai. Já S. Inácio de Antioquia por volta do ano 100 referindo-se ao nascimento de Cristo declarou:

No firmamento brilhou uma estrela maior do que todas as outras! A sua luz era indescritível. A sua novidade causou estranheza. Mas todos os demais astros, incluindo o Sol e a Lua, fizeram coro à Estrela. Esta, porém, ia arremessando a sua luz por sobre todos os demais. Houve, por isso, agitação. Donde lhes viria tão estranha novidade? Desde então, desfez-se toda a magia; suprimiram-se todas as algemas do mal. Dissipou-se toda a ignorância; o primitivo reino corrompeu-se, quando Deus se manifestou humanamente para a novidade de uma vida eterna.

O bispo de Antioquia chama-nos atenção para o aspecto libertador do acontecimento e S. Efrém, teólogo e poeta sírio do século IV que nos deixou um vasto conjunto de poemas e textos sobre o Natal, retoma esta convicção de S. Inácio quando vê no “menino que se encontra na manjedoura … aquele que rompeu o jugo que a todos oprimia”.

Interessante o que Santo Agostinho diz sobre o menino divino que irrompe a noite escura pela qual a humanidade passava e desperta o silêncio existencial humano:

mesmo sem dizer nada, deu-nos uma lição, como se irrompesse num forte grito: que aprendamos a tornar-nos ricos nele que se fez pobre por nós; que busquemos nele a liberdade, tendo Ele mesmo assumido por nós a condição de servo; que entremos na posse do céu, tendo Ele por nós surgido da terra.

O grande Agostinho refere-se a Cristo como o verdadeiro sol da justiça Ele é aquele que tira a humanidade das trevas:
Reconheçamos o verdadeiro dia e tornemo-nos dia! Éramos, na verdade, noite quando vivíamos sem a fé em Cristo. E uma vez que a falta de fé envolvia, como uma noite, o mundo inteiro, aumentando a fé a noite veio a diminuir. Por isso, com o dia de Natal de Jesus nosso Senhor a noite começa a diminuir e o dia cresce. Por isso, irmãos, festejemos solenemente este dia; mas não como os pagãos que o festejam por causa do astro solar; mas festejemo-lo por causa daquele que criou este sol. Aquele que é o Verbo feito carne, para poder viver, em nosso benefício, sob este sol: sob este sol com o corpo, porque o seu poder continua a dominar o universo inteiro do qual criou também o sol. Por outro lado, Cristo com o seu corpo está acima deste sol que é adorado, pelos cegos de inteligência, no lugar de Deus que não conseguem ver o verdadeiro sol de justiça.

Interessante que o bispo de Hipona afirma a verdadeira alegria é Cristo. No império romano era comum o culto a uma divindade representada pelo sol, porém o bispo contrapõem essa divindade com o verdadeiro sol que é Jesus.

Segundo S. Máximo, bispo de Turim no século IV,

Jesus é o novo sol que atravessa as paredes, invade os infernos, perscruta os corações. Ele é o novo sol que com os seus espíritos faz reviver o que está morto, restaura o que está velho, levanta o que está decadente e purifica ainda, com o seu calor, aquilo que é impuro, aquece o que está frio e consome o que o que não presta.

A exortação de S. Máximo turinense de como preparar-nos para o natal do Senhor é sempre atual:

Preparemo-nos pois, irmãos, para acolher o Natal do Senhor, adornemo-nos com vestes puras e elegantes! Falo, claro está, das vestes da alma, não do corpo… Adornemo-nos não com seda, mas com obras boas! Pois as vestes elegantes ornam o corpo, mas não podem adornar a consciência; pois seria muito vergonhoso trazer sob elegantes vestes elegantes, uma consciência contaminada. Procuremos acima de tudo embelezar os nossos afetos íntimos, e poderemos então vestir belas roupas; lavemos as manchas da alma para usarmos dignamente roupas elegantes! Não adianta dar nas vistas pelas vestes se estamos sujos em pecados, porque quanto a consciência está escura, todo o corpo fica nas trevas. Temos, porém, com que lavar as manchas da nossa consciência. Pois está escrito: Dai esmola e tudo será puro em vós (Lc 11,41). É importante este mandamento da esmola: graças a ele, ao operarmos com as mãos ficamos lavados no coração.

Parece que a preocupação meramente com o exterior não é de hoje. Natal virou sinônimo de status social em que as disputas pela melhor roupa é a tônica do período. O Natal é o grande acontecimento para toda humanidade não somente para um povo ou cultura, mas para todos. Ela é a festa de todos pobres ou ricos. Segundo S. Leão Magno:

Nasceu hoje, irmãos, o nosso Salvador. Alegremo-nos! Não pode haver tristeza quando nasce a vida; a qual, destruindo o temor da morte, nos enche com a alegria da eternidade prometida. Ninguém está excluído da participação nesta alegria; a causa desta alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, aquele que destrói o pecado e a morte, não tendo encontrado ninguém isento de pecado, a todos veio libertar. Exulte o santo porque está próxima a vitória; rejubile o pecador, porque é convidado ao perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida… Por isso é que, quando o Senhor nasceu, os anjos cantaram em alegria ‘glória a Deus nas alturas’ e anunciaram ‘paz na terra aos homens de boa vontade’. Porque veem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo, obra inexprimível do amor divino, que, se dá tanto gozo aos anjos nas alturas do céu, que alegria não deverá dar aos homens cá na terra?

Jesus é a grande sabedoria e a verdade. Sempre o ser humano buscou a verdade, porém por caminhos nem sempre éticos. Os Padres da Igreja são reconhecidos como grandes filósofos que souberam enfrentar ou conciliar a fé cristã com a filosofia na antiguidade. O grande Agostinho afirma:

Chama-se dia do Natal do Senhor a data em que a Sabedoria de Deus se manifestou como criança e a Palavra de Deus, sem palavras, imitou a voz da carne. A divindade oculta foi anunciada aos pastores pela voz dos anjos e indicada aos magos pelo testemunho do firmamento. Com esta festividade anual celebramos, pois, o dia em que se realizou a profecia: A verdade brotou da terra e a justiça desceu do céu (Sl 84,12).

Maria, mãe de Jesus, não foi esquecida das reflexões desses pensadores cristãos,

Neste dia, o Verbo de Deus revestiu-se de carne e nasceu de Maria virgem. Nasceu de modo admirável... Donde veio Maria? De Adão. Donde veio Adão? Da terra. Se Adão veio da terra e Maria de Adão, também Maria é terra. E se Maria é terra, entendemos quando cantamos: a verdade brotou da terra.

Enfim o que celebramos no natal? S. Gregório Nazianzo responde:

Isto celebramos hoje: a vinda de Deus ao meio dos homens, para que, também nós cheguemos a Deus… celebremos, pois, a festa: não uma festa popular, mas uma festa de Deus, não como o mundo quer, mas como Deus quer; não celebremos as nossas coisas mas as coisas daquele que é nosso Senhor…

Como celebrarmos como cristãos o natal de Jesus? Para tanto a resposta do bispo de Constantinopla do século IV é bastante atual:

Não embelezemos as portas das casas, não organizemos festas, nem adornemos as estradas, não dêmos banquetes em nosso proveito nem concertos para mero agrado dos ouvidos, não exageremos nos adornos nem nas comidas… e tudo isto enquanto outros padecem fome e necessidades, esses que nasceram do mesmo barro que nós. 

Que saibamos viver intensamente o verdadeiro espírito natalino!

Por professor Bruno Rafael

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