terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A origem histórica do Natal

Gerard Horst - Adoração dos pastores - 1622

                                                                         Por professor e historiador Bruno Rafael



A partir da expansão do cristianismo durante o império romano esta religião universalista chegou aos quatro cantos do mundo de forma surpreendente. São várias as hipóteses para este crescimento vertiginoso, no entanto, não é este o objetivo deste texto o fato é que da Palestina ele chegou até nós no ocidente. No natal comemora-se o nascimento da pessoa mais importante da religião cristã, ou seja, Jesus de Nazaré.  Porém, os Evangelhos não fixam nenhuma data para o nascimento e são contraditórios.
Mateus situa o evento durante o governo de Herodes, o grande, morto em 4 d.c e Lucas o situa durante um recenseamento no império romano que os documentos dão conta que ocorreu no ano 6 d.c, mas que, na Judeia, aconteceu um ano depois (ROQUE, 2013).
Segundo a historiadora Maria Isabel Roque (2013) os cristãos inicialmente não festejavam o nascimento, mas a morte de Jesus enfatizando a páscoa. Talvez por isso a não preocupação de fixar uma data. Mas qual o possível ano?

Através dos indícios encontrados nos relatos evangélicos, em conjugação com a data da morte de Herodes e a passagem da estrela de Belém que, segundo uma observação de Kepler geralmente aceite, se tratou de uma possível conjunção de Júpiter e Saturno sobre a constelação de Peixes (Sachs and Walker 1984, 43-44), estima-se que Cristo tenha nascido entre os anos 7 e 2 a.c.(ROQUE, 2013, p.104).


Também o dia 25 de dezembro fixou-se tardiamente, a mais antiga  referência é do ano 354 de Furio Dionisio Filocalo (ROQUE, 2013). Nesta data comemorava-se o solstício de inverno no calendário romano e justifica-se pelo sincretismo entre o cristianismo e o culto solar de Mitras e do Sol Invictus.

A história do Natal começa, na verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É tão antiga quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o solstício de inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que acontece no final de dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas para luz: o “renascimento” do Sol. Num tempo em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. E então era só festa. Na Mesopotâmia, a celebração durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o solstício para cultuar Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa, enquanto os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos. Na China, as homenagens eram (e ainda são) para o símbolo do yin-yang, que representa a harmonia da natureza. Até povos antigos da Grã-Bretanha, mais primitivos que seus contemporâneos do Oriente, comemoravam: o forrobodó era em volta de Stonehenge, monumento que começou a ser erguido em 3100 a.C. para marcar a trajetória do Sol ao longo do ano ( MINAMI; VERSIGNASSI, 2006).

A igreja católica aproveitou manifestações religiosas do paganismo no império romano para cristianizar, ou seja, inculturar a mensagem cristã nas práticas culturais romanas. Foi assim no culto de Mitra,

O nascimento de Mitra, divindade solar de origem persa incorporada no panteão romano, era celebrado em 25 de dezembro. Além disso, também se celebrava, nessa altura, o Dies Natalis Solis Invicti, festival do Sol Invicto, o invencível deus sol, cujo culto originário da Síria, se implantara em Roma desde o início do século III, por acção do imperador Heliogábalo. O dia do nascimento de Mitra ou do Sol Invicto no solstício de inverno, a partir do qual diminui a distância angular entre o sol e a terra e, no hemisfério norte, aumenta o tempo de exposição solar, comemora a vitória da luz sobre a noite mais longa do ano (ROQUE, 2013, p.106).

O culto a Mitra é originário da Pérsia (atualmente Irã), este culto chegou à Roma por meio dos soldados, negociantes e escravos de províncias da Ásia. Segundo Dreher o culto a Mitra tinha uma espécie de batismo, uma ceia sagrada, épocas de jejum, um sinal da cruz, confirmação de novos membros para que se tornassem soldados da luz contra as trevas, e havia também um culto de um novo nascimento, de conversão, de redenção e ressurreição (DREHER,2004). Isso indica uma possível influência deste culto para o próprio cristianismo, porém pensar numa espécie de “cópia” é inadequado, visto que, as culturas sofrem influências e “ traduzem” a partir da sua realidade e visão de mundo uma nova realidade, nesse sentido o cristianismo é híbrido.

No senso comum a visão que se tem de cultura é de algo “puro”, ou seja, sem influência de costumes, visões, práticas de outros povos. A antropologia derrubou há muito tempo esta visão distorcida. Sabe-se que as culturas são dinâmicas e passam por transformações, sofrem influências, influenciam, traduzem influências a partir da sua realidade e elaboram uma nova. Logo, inexistem culturas “puras”.

Nesse sentido a escolha do dia 25 de dezembro para festejar o nascimento de Jesus insere-se neste contexto de troca cultural aproveitando-se que já se comemorava o nascimento de uma divindade. Dessa forma,

 Em 221 d.C., o historiador cristão Sextus Julius Africanus teve a sacada: cravou o aniversário de Jesus no dia 25 de dezembro, nascimento de Mitra. A Igreja aceitou a proposta e, a partir do século 4, quando o cristianismo virou a religião oficial do Império, o Festival do Sol Invicto começou a mudar de homenageado. “Associado ao deus-sol, Jesus assumiu a forma da luz que traria a salvação para a humanidade”, diz o historiador Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Assim, a invenção católica herdava tradições anteriores. “Ao contrário do que se pensa, os cristãos nem sempre destruíam as outras percepções de mundo como rolos compressores. Nesse caso, o que ocorreu foi uma troca cultural”, afirma outro historiador especialista em Antiguidade, André Chevitarese, da UFRJ (MINAMI; VERSIGNASSI, 2006).

Portanto, não se sabe o dia exato do nascimento de Jesus e como vimos o ano também não é exato, pois os evangelhos são contraditórios como demonstrado anteriormente. Como vimos a escolha do dia 25 de dezembro para celebração não foi por acaso e foi estratégica no sentido dos resultados alcançados pela escolha. Assim demonstrou-se o caráter híbrido do cristianismo e que isso não significa ser algo negativo, mas uma demonstração da dinamicidade cultural.

Mestre Vyssi Brod - 1350


Referências

DREHER, Martin N. A Igreja no Império Romano. Coleção História da Igreja, volume 1. 5.ed. São Leopoldo: SINODAL, 2004.
MINAMI, Thiago; Versignassi, Alexandre. A verdadeira história do Natal. Revista Superinteressante. Edição 233. Dezembro de 2006.
ROQUE, Maria Isabel. O menino de Belém: Da Festa do Natal à Iconografia da Natividade e da Adoração. Gaudium Sciendi, nº 5, Dezembro 2013



Nenhum comentário:

Postar um comentário