quarta-feira, 6 de abril de 2016

A pré-história do Brasil



Pré-História do Brasil
 
Pinturas rupestres no Piauí
Falar em Pré-História do Brasil é montar um complicado quebra-cabeças com muitas peças faltando. A dificuldade começa já no título: Pré-História, uma expressão que passa a ideia errada de ser um período sem História. Os indígenas brasileiros tiveram uma história própria, de milhares de anos em que suas culturas, técnicas e artes sofreram mudanças e influencias. Entendemos por Pré-História os períodos da História sem escrita e que, por isso, só pode ser estudado pelos objetos feitos pelo homem. A divisão tradicional em Paleolítico, idade da pedra lascada, e Neolítico, idade da pedra polida também é contestada pelos especialistas. Praticamente essas expressões caíram em desuso no mundo científico. Atualmente, os cientistas preferem usar termos geológicos: Pleistoceno e Holoceno. Pleistoceno (aproximadamente de 1,8 milhões de anos atrás a 10 mil anos atrás) O clima e a vegetação do Brasil durante o Pleistoceno eram muito diferentes dos atuais. O clima era úmido e mais frio. Uma densa floresta de grandes árvores, cipós e samambaias cobria o que hoje é o semiárido nordestino. Rios, lagos e cachoeiras dominavam os campos. Durante o Pleistoceno, uma megafauna, hoje extinta, habitava as florestas e os campos do território brasileiro. Tatus gigantes, os gliptdontes, com 3 metros de comprimento e pesando quase uma tonelada e meia. Sua forte carapaça, quando vazia, podia servir de abrigo aos homens primitivos. Preguiças gigantes, o megatherium, pesando umas 4 toneladas, tinham o tamanho de um elefante. Passavam o dia todo comendo folhas de árvores e arbustos, utilizando sua língua comprida para obtê-las. Com suas poderosas garras, vergavam facilmente os galhos das arvores. Mas o animal mais temido era o tigre dente-de-sabre. Um felino com 3 metros de comprimento e pesando 900 quilos, ele foi o grande predador de preguiças, gliptdontes e outros animais da megafauna. Já o Holoceno inicia-se mais ou menos a 10 mil anos atrás até os dias atuais. Neste período os climas atuais instalam-se, assim como as faunas modernas. Ele inicia com o fim da última glaciação e os oceanos sobem.
Preguiça gigante
 
Tatu gigante

Povoamento do Brasil e o caso Luzia
Foi durante do Pleistoceno que ocorreu o povoamento do território que hoje corresponde ao Brasil. Vale ressaltar que o que atualmente chamamos de Brasil não existia antes de 1822 quando surge este país de forma independente.  Os primeiros grupos humanos que ocuparam nosso território são chamados de paleoíndios. As ossadas mais antigas de paleoíndios encontradas no Brasil pertencem ao final do Pleistoceno, entre 12 mil e 11 anos. Foram encontradas em 1975 na região arqueológica de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Entre as ossadas, está Luzia, o esqueleto mais antigo das Américas, de 11.680 anos. Em 1999 aconteceu a reconstituição facial do crânio de Luzia feita por pesquisadores da universidade de Manchester surpreendeu o mundo científico. Seus traços não eram iguais aos indígenas atuais, ou seja, mongoloides cujos antepassados são de origem asiática que são semelhantes aos chineses e japoneses. Luzia, diferentemente, tinha traços negroides, semelhantes aos africanos e aos nativos da Austrália e da Polinésia. Essa descoberta levou os cientistas a uma nova hipótese sobre o povoamento da América. Ele teria sido feito por dois tipos humanos com características físicas distintas: um tipo negroide, possivelmente o mais antigo, vindo da Austrália ou das ilhas da Melanésia e da Polinésia e um grupo posterior, de origem asiática que teria entrado na América pelo estreito de Bering, e que acabou dominando o continente e dando origem aos indígenas atuais. Quais as consequências dessas descobertas? Segundo o pesquisador Walter Neves que estudou as ossadas de Luzia e de outros com o tipo africano/australiano propõe que houve uma onda migratória também pelo estreito de Bering, mas anterior aos grupos humanos asiáticos que deram origem aos índios americanos. Porém, muitos pesquisadores não estão convencidos com estas interpretações baseadas na morfologia dos crânios humanos. Segundo os arqueólogos Pedro Paulo Funari e Francisco Noelli (2006) os argumentos contrários baseiam-se em:
O número de crânios ainda são pequenos o que impede uma sólida comparação;
As diferenças cranianas não se explicam somente por migrações de povos, mas também por fatores ligados ao meio ambiente e à adaptação humana a tais variações;
Certas semelhanças entre os paleoíndios americanos e os aborígenes australianos podem ser explicadas como características que ambos herdaram de um ancestral comum, perdidas pelos mongoloides nos últimos 15 ou 10 mil anos.
Crânio da "Luzia" e sua possível característica


A pedra furada na Serra da Capivara, Piauí
Serra da Capivara

 Outras descobertas surpreendentes foram feitas nas escavações arqueológicas na Serra da Capivara, no município de São Raimundo Nonato, sul do Piauí. Ali foram encontrados esqueletos de 8.000 anos e vestígios de presença humanos ainda mais antigos que Luzia: são pinturas rupestres, restos de fogueiras e artefatos de 17 mil anos até 48 mil anos. Os resultados das escavações na Serra da Capivara levaram os cientistas a rever sua hipótese sobre a data do povoamento da América: ele teria ocorrido há pelo menos 40 mil anos atrás, isto é, muito antes do que se suponha.  Para os pesquisadores desta região os primeiros povoadores teriam vindo por meio de embarcações pelas ilhas do oceano Pacífico. Entre tantas descobertas, discussões e novas hipóteses, uma coisa é certa: por volta de 12 mil anos atrás, o território brasileiro já estava plenamente ocupado por diversos grupos de paleoíndios.
Por essa época, a megafauna do Pleistoceno ainda habitava florestas e campos brasileiros: tatus gigantes, preguiças pesando 5 toneladas e ferozes tigres dente-de-sabre viviam onde hoje é Minas Gerais, Bahia e todo sertão nordestino. Os paleoíndios tiveram que desenvolver uma série de reflexos e precauções para sobreviverem em um ambiente povoado por esses gigantes. Por volta de 9 mil anos, na transição entre o Pleistoceno e o Holoceno, o clima começou a mudar. As chuvas diminuíram, os rios secaram e a vegetação modificou-se. Os grandes animais começaram a desaparecer por fome ou sede. O clima tropical úmido transformou-se no semiárido de hoje. Essas mudanças ficaram marcadas nas formações geológicas que compõem a Serra da Capivara, no sudeste do Piauí. Ali ainda pode ser vista parte da floresta tropical úmida da Pleistoceno e a vegetação de caatinga formada no Holoceno. Da megafauna restaram numerosos fósseis estudados pelos paleontólogos. No fundo dos vales e no alto das chapadas, existem abrigos rochosos que serviram de refúgio ou de acampamento temporário para os paleoíndios. Nas paredes desses abrigos, eles pintaram uma enorme quantidade e variedade de figuras que hoje é considerado o maior conjunto de pinturas pré-históricas do mundo. As pinturas têm diferentes datações o que indica que a região foi habitada de forma ininterrupta por mais de 40 mil anos e seus autores pertenceram a diversos grupos étnicos. As pinturas não são homogêneas nem padronizadas. As temáticas variam como também o estilo, a composição das figuras e as técnicas de registro. Os seres humanos são pintados isolados ou em grupo, usando ornamentos, armas e outros objetos. Jamais poderemos saber exatamente que mensagens guardavam, pois seus significados se perderam com o desaparecimento dos povos que as criaram. As pinturas rupestres são uma forma de linguagem anterior à escrita. Mesmo sem conseguir decifrar seu código, elas são fontes de informações para os cientistas sobre a Pré-História do Brasil. Informam sobre o modo de vida daqueles seres humanos e seu ambiente natural. As mudanças de estilos nas pinturas indicam que ocorreram transformações culturais das sociedades indígenas e que existiram diferentes grupos étnicos ao longo de muitos milênios. Por isso é importante a preservação desses registros e de todo seu entorno natural. O parque foi criado graças ao trabalho da arqueóloga Niède Guidon que hoje dirige a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), instituição responsável pelo manejo e pesquisas do parque. Em 2012, estavam cadastrados 1.028 sítios arqueológicos com pinturas rupestres. Mas esse número aumenta anualmente com novas descobertas feitas pelos pesquisadores da FUMDHAM. As datações variam muito. No sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada, por exemplo, as pinturas datam de 29.860 anos, no mínimo. Em outros lugares elas tem entre 18 mil e 6 mil anos. Os restos humanos mais antigos encontrados são um esqueleto de uma mulher adulta de 9.670 anos. Em 1991, o parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco e, em 1993, reconhecido como patrimônio nacional. O Parque Nacional da Serra da Capivara é um museu a céu aberto, um verdadeiro santuário cultural de épocas pré-históricas e a preservação de seus sítios arqueológicos e de todo bioma da caatinga é compromisso e orgulho de todo brasileiro.

Para Niède Guidon os grupos humanos que viveram na região estiveram pelo menos há 40 mil anos atrás. Ela baseia-se em achados de supostas fogueiras feitas pelos habitantes, plaquetas de quartzito com manchas vermelhas caídas da parede que foram interpretadas como vestígios de pinturas, além de supostos instrumentos lascados. Para ela esses supostos primeiros povoadores teriam vindo navegando pelas ilhas do pacífico.
 
       A maioria dos pesquisadores negam os achados da arqueóloga Niède Guidon da Serra da Capivara pelos seguintes argumentos:
As fogueiras e pedras são naturais e não fruto da ação humana;
Não foram encontraram vestígios humanos tão antigos nas ilhas do Pacífico;
            Apesar dos estudos de Niède Guidon ser prestigiada na imprensa e nos livros didáticos (distribuídos nas escolas), no meio científico internacional a teoria dela não é plenamente aceita e, no Brasil, a maioria dos estudiosos também não considera aceitável a antiguidade atribuída por essa estudiosa ao “homem da Pedra Furada” (FUNARI; NOELLI, 2006).

A vida dos primeiros habitantes do “Brasil”

Povos caçadores e coletores
            Os primeiros habitantes eram nômades, ou seja, não possuíam habitação fixa e viviam mudando de lugar sempre em busca de melhores condições de vida. Viviam em bandos e suas habitações eram a céu aberto ou em abrigos sob rochas e, às vezes, em cavernas. Usavam ferramentas de pedras que eram usadas nas caçadas. Os arqueólogos descobriram que faziam anzóis de ossos de pequenos animais o que indica que também pescavam. No sul do Brasil foram encontradas pontas de flechas feitas de pedras para caçar animais mais ágeis, como pássaros.
            O uso do fogo foi importante para sobrevivência desses povos, pois serviam para iluminar, proteção e assar carne. Eles caçavam pequenos animais, como veados e emas. Dentre esses povos temos: as populações de Lagoa Santa, a Tradição Umbu, Tradição Humaitá, os sambaquis.

1.      As populações de Lagoa Santa
Em 1843 o dinamarquês Peter Lund encontrou ossadas humanas com as de outros animais na região de Lagoa Santa, Minas Gerais. Foi nessa região que a Luzia foi encontrada e como dito anteriormente as características são semelhantes aos africanos e aborígenes australianos.
Os esqueletos encontrados permitem afirmar que essa população viveu entre 10 mil a.c e 8 mil a.c; era baixo e magro e comia pequenos animais, frutos, peixes e caramujos grandes. Caçavam porco do mato, tatus e roedores.

2.      Tradição de Umbu ou povo da flecha
Viviam no sul e sudeste do Brasil, entre 12 mil até 1000 anos atrás, eram habilidosos em fazer instrumentos de pedra: facas de corte afiado, anzóis e pontas de flechas. Foram eles que difundiram o uso do arco e flecha, bem como, da boleadeira (arma composta de três bolas de pedra ligadas entre si por cordas de couro) que tornava possível a caça de animais velozes, como veados e emas, por exemplo, e de pássaros em pleno voo.

3.      Tradição Humaítá
Grupos que habitavam os barrancos e terraços próximos aos rios na região sudeste e sul. Viviam da coleta, caça e pesca. Seus instrumentos de pedra eram bem maiores que os da tradição umbu, por exemplo, machados bifaces e pedras com lascamento simples.

4.      A cultura dos sambaquis

Sambaqui
Sambaqui é um sítio arqueológico muito comum no Brasil. É um depósito de restos de mariscos, ostras, caranguejos, ossos de peixes e de mamíferos marinhos acumulados por populações pré-históricas no litoral. São encontrados na costa do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul. A palavra é de origem tupi, tamba (Marisco) e ki (amontoamento), significando concha amontoada ou monte de conchas e que a população local conhece como concheira, casqueiro, berbigueira ou ostreira. O formato dos sambaquis pode ser cônico ou semiesférico, sua altura varia de menos de um metro até 30 metros de altura, estendendo-se de 40 metros até 400 metros de comprimento. Os sambaquis são fontes de informações sobre antigos grupos de coletores e pescadores que viveram na costa brasileira entre 8 mil e 2 mil anos antes do presente. Eram povos anteriores aos tupi-guaranis que ocuparam a região mais tarde. Muitos sambaquis foram destruídos desde o período colonial transformados em cal para a construção de engenhos de açúcar, do Palácio do Governador, do Colégio da Bahia e outros edifícios. Cada comunidade construía os seus sambaquis para atender finalidades específicas, como demarcação de território, mirante, cemitério etc. Os mortos eram enfeitados com colares de conchas e enterrados com objetos como pontas de osso, lâminas de machado de pedra. É comum encontrar entre os esqueletos, dentes e vértebras de tubarões, macacos, porcos-do-mato e outros animais. As covas eram preparadas e, muitas vezes, forradas com argila, areia, corantes, palha e madeira. Há covas individuais e coletivas, corpos estendidos e em posição fetal e, muitos cobertos com pigmento vermelho. Foram encontrados nos sambaquis vários objetos utilizados pelos moradores como raspadores de conchas, batedores de osso e facas de pedra. Em meio ao material fossilizado há também, marcas de fogueira e potes de cerâmica de tamanho e formato variados. Nos sambaquis do litoral de Santa Catarina, foram descobertas estatuetas de pedra polida: são os zoólitos, figuras de animais representadas de maneira estilizada representando em geral baleias, peixes e pássaros. Os zoólitos são peças refinadas, de grande beleza. Alguns deles têm uma cavidade rasa no centro da peça que pode ter servido para colocar corantes ou alguma substância usada em rituais. 
Sambaqui

Agricultores e ceramistas
As datas prováveis propostas pelos pesquisadores para o início da prática da agricultura no território do atual Brasil variam entre 8 a 4 mil anos atrás. Neste território a mandioca foi o primeiro vegetal a ser domesticado. Ao que tudo indica foi na Amazônia que a agricultura originou-se na América do sul. Esta prática tornou as populações sedentárias e com crescimento demográfico.
Com o desenvolvimento da agricultura também desenvolve-se a cerâmica com criações de potes, vasilhas, pilões e panelas. Isso ajudou no preparo de alimentos em panelas.
Na Amazônia existiram duas principais culturas ceramistas: a marajoara e a tapajônica.
Cultura Tapajônica
 
Cultura Marajoara
A cultura tapajônica é composta por vasos com figuras humanas e de animais bem modeladas e estilizadas. A cultura marajoara utilizava diferentes cores em suas peças. A cerâmica marajoara, ilha do Marajó, criada pelo povo que habitava a região por volta de 3,5 mil anos atrás possuía em suas cerâmicas sinais padronizados que expressavam seus mitos.


Referências
ALVES, Alexandre; OLIVEIRA, Letícia Fagundes. Conexões com a história. 2.ed. São Paulo: Moderna, 2013.
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. 6 ano. 2.ed. São Paulo: FTD, 2012.
FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-História do Brasil. 3.ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando a História).
PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros: a pré-história de nosso país. 2.ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2007.

 
Texto elaborado pelo professor Bruno Rafael

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