Mamelucos conduzindo índios capturados |
Durante o século XIX a
historiografia brasileira valorizou os bandeirantes a tal ponto de
qualificá-los de “heróis”. Nos livros didáticos até um tempo atrás era comum
chamá-los de a “raça de gigantes”, ou seja, aqueles homens que tiveram a
coragem de desbravar os sertões e expandir a fronteira, homens corajosos e
virtuosos que enfrentavam as adversidades do ambiente. Os manuais escolares
narravam os “grandes” feitos de conhecidos bandeirantes como Anhanguera, porém
com o revisionismo historiográfico da segunda metade do século XX a questão
sobre os bandeirantes foi dissecada e de “heróis” passaram a “vilões”.
Antes é necessário distinguir as bandeiras das entradas. Esta última em geral era financiada pelo governo
português enquanto a primeira, ou seja, as bandeiras eram financiadas em sua
maior parte dos recursos por parte particulares. A colonização iniciou-se por
estas terras em 1532 quando Martim Afonso de Sousa fundou a vila de São
Vicente. E foi da capitania de São Vicente que as bandeiras partiam. No litoral
desta capitania foi desenvolvido satisfatoriamente o cultivo da cana-de-açúcar
e por isso o povoamento restringiu-se ao litoral além da serra (montanha) que
impedia a penetração pelo interior, porém o planalto foi conquistado. Em 1554,
padre Manuel da Nóbrega, funda o colégio de São Paulo, este colégio serviu como
aglutinador do povoamento do planalto do Piratininga.
No litoral a vida era mais
“tranquila” devido os lucros com a exportação do açúcar e a proximidade com a
Europa o que facilitava a importação de gêneros alimentícios e outros. Bem
diferente era a situação no planalto da Capitania de São Vicente,
A
produção de gêneros de subsistência mantinha a região serrana quase que
marginalizada do comércio mundial. Á medida que não exportava em escala
significativa, sua capacidade de importação era irrisória. A produção de
gêneros de subsistência garantia a sobrevivência, mas encarecia a obtenção de
produtos importados, uma vez que os mesmos não poderiam ser pagos com aquilo
que a região produzia ( VOLPATO, 1994, p. 26).
Os
“paulistas” que viviam no planalto produziam seus vinhos, trigos e tecidos. Mas
insuficiente para comparar com o luxo desfrutado no litoral da capitania. Desde
cedo tiveram que se acostumar com as poucas possibilidades e com a vida dura.
Precisavam de mão de obra e essa foi encontrada na escravização dos índios, pois não tinham recursos para comprar o
escravo negro. Como a mão de obra indígena foi aos poucos escasseando tiveram
que ir a busca de nativos no sertão, ou seja, adentrando as matas. Porém, a
luta não foi fácil e os ameríndios lutaram com todas as forças contra o
bandeirante escravizador. Segundo a historiadora Luiza Volpato, “Durante a
segunda metade do século XVI, o confronto entre brancos e índios pela posse do
território foi suficiente para abastecer a economia planaltina da maior parte
da mão de obra que necessitava” (1994, p. 35). Dessa forma, os índios da região
foram brutalmente exterminados e escravizados pelos “paulistas”.
Causas do
bandeirantismo
A
busca de mão de obra sertão adentro tornou-se uma alternativa econômica, o
índio deveria ser escravizado. Do ponto de vista econômico era explicada a
escravização dos nativos, pois os paulistas necessitavam de braços para o trabalho, não dispunham de recursos para
comprar escravos africanos, economia pouco vinculada com o mercado externo.
Dessa forma a alternativa foi penetrar no sertão em busca de índios para
escravizar. Soma-se a isso a esperança de encontrar metais e pedras preciosas. A coroa portuguesa tinha interesse que
fossem encontradas pedras preciosas ou metais, pois oferecia incentivo aos
bandeirantes como prêmios, honras, títulos, terras e pensões.
Muito
provavelmente estes nativos aprisionados pelos bandeirantes eram vendidos para
as vilas do litoral da própria capitania, ou seja, São Vicente e Santos, bem
como, para capitanias nordestinas no cultivo da cana. O século XVII foi o
período áureo do comércio, quando expedições imensas foram enviadas a regiões
cada vez mais distantes em busca dos silvícolas que a colônia consumia.
As bandeiras
As
bandeiras eram “empreendimentos de caráter particular e tinham por objetivo a
busca de solução para problemas sociais da vila de São Paulo” (VOLPATO,1994, p.
57). Isso deve ficar claro. Pelo menos até o século XVII tinham o objetivo de
prear indígenas e eram agressivas e violentas.
Não
era qualquer pessoa que comandava uma bandeira, pois custava muito recursos.
Esses empreendimentos permaneciam até mesmo anos no sertão e seu sucesso
dependia também de aparelhamento bélico. Dela participavam alguns brancos
(líderes), centenas de mestiços e milhares de índios. Os índios tinham papel
importante nas bandeiras, pois eram os flecheiros, conheciam bem as matas,
ensinavam aos portugueses os caminhos, a forma de andar nas matas, os remédios
e as formas de conseguir alimentos para a subsistência. Ao contrário que muitos
afirmam a maior parte das bandeiras não seguiam os cursos dos rios, mas andavam
por dentro das matas. Neste caminhar fundaram vilas, atacaram aldeamentos
missionários (mais conhecido o de Guairá na divisa do Paraguai), expandiram as
fronteiras do império português e descobriram as jazidas de ouro. Foram
até aos atuais estados do Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul.
Os mamelucos guiavam a expedição.
Reunindo características do branco e do índio, desempenhavam papel importante
como elemento de ligação entre as duas culturas, europeia e indígena.
Os índios, além de ensinar o
caminho, carregavam as provisões e eram responsáveis pela coleta dos frutos da
floresta necessários à alimentação do grupo.
Representação comum das vestimentas dos bandeirantes |
Os bandeirantes levavam
arcabuzes, bacamartes, pistolas, chumbo e pólvora, machados, facas, foices e
cordas para prender e conduzir os índios escravizados.
Apesar de representados, em
pinturas e esculturas, como homens bem vestidos, andavam descalços, usando
grandes chapéus de abas largas e gibões de algodão acolchoados para se proteger
das flechas. Caminhavam em fila indiana, uma influência indígena. Durante o
tempo que passavam no sertão, o alimento básico era a "farinha de
guerra", feita de mandioca cozida e compactada, além do que encontrassem
na mata.
Dependiam da caça, da pesca, das
ervas e raízes, do mel silvestre e, quando adoeciam recorriam aos recursos da
flora e da fauna utilizados na "medicina" indígena, conhecidos mais
tarde, em toda a Colônia, como "remédios de paulistas".
Com o tempo, passaram a plantar
roças de subsistência ao longo dos caminhos percorridos, que eram colhidas na
volta ou deixadas para outras bandeiras.
“Fases” do bandeirantismo
Didaticamente
podemos esquematizar por objetivos principais as bandeiras:
1) Apresamento de índios:
Sua ênfase deu-se durante o século XVI e parte do XVII. Constituiu-se da
escravização dos índios;
2) Prospecção:
Neste fase o foco central foi da descoberta de jazidas de metais como o ouro e
pedras preciosas. Seu ápice deu-se no final do século XVII e início do XVIII e
culminou com as descobertas nas Minas Gerias, Goiás e Mato Grosso.
3) Sertanismo de contrato:
Vigorou no mesmo período que a prospecção. Os bandeirantes foram contratados
para combater quilombos, palmares, por exemplo, e na luta contra os holandeses
também no nordeste.
Consequências do
bandeirantismo
ü Dizimação
dos povos indígenas;
ü Aumento
das fronteiras portuguesas estabelecidas pelo tratado de Tordesilhas (não
respeitavam a divisão do tratado) que mais tarde foram confirmadas pelo tratado
de Madri (1750) onde essencialmente permanece até hoje;
ü Descobertas
das jazidas de ouro.
Conclusão
Como
vimos a vida dos bandeirantes não era fácil e devido a pobreza da pequena vila de São Paulo do Piratininga seus habitantes buscaram alternativas econômicas. Entrando nos sertões passavam
inúmeras provações. Muitos adoeciam, carência de alimentação, no retorno à São
Paulo (vila de onde partiam a maior parte das bandeiras) muitos índios
aprisionados morriam. Destaca-se a participação nas bandeiras dos mamelucos
(frutos do cruzamento de brancos e índios) que foram a maioria. Verifica-se que
as bandeiras não possuíam nada de democrático, pois as funções eram rígidas. Os
bandeirantes abusavam das índias gerando filhos bastardos. A violência foi marcante
na captura à força do nativo.
Cabe
a você a pergunta que dá título a este texto: os bandeirantes foram “heróis” ou
“vilões”?
Por professor Bruno Rafael
Referências
FAUSTO,
Boris. História do Brasil.4.ed. São
Paulo: EDUSP, 1996.
VOLPATO,
Luiza. Entradas e bandeiras. 4.ed. São
Paulo: Global, 1994.( História popular).
Achei o texto muito bom, parabéns... Porém achei que não me explicou se eles eram heróis ou violões e porque.
ResponderExcluirOlá, Harley. Obrigado por sua opinião. A ciência histórica não tem a função de colocar o passado no tribunal e julgá-lo. Ela visa explicar e compreender determinados comportamentos humano no tempo. O objetivo do texto é mostrar as duas vertentes interpretativas sobre os bandeirantes. Uma baseada no positivismo os consideram como heróis e outra pautada no materialismo histórico denuncia o caráter violento deles. Penso que nenhuma nem outra é a mais "verdadeira". O importante é percebê-los dentro de um contexto, onde viveram as contradições humanas. Isso tudo sem justicar as atrocidades cometidas contra as populações indígenas. O texto não oferece resposta, mas visa te levar a um pensamento autônomo. A escolha é sua.
ExcluirEssa é a resposta de um verdadeiro professor! Não quer te convencer de nada Harley Quinn, quer te apresentar os fatos e fazê-lo chegar às tuas conclusões, formar um livre pensador! Parabéns, ainda bem que ainda temos mestres com a tua honestidade intelectual.
ResponderExcluirAgradeço seu comentário e elogio. Suas palavras motivam-me a aperferçoar-me cada vez mais na minha missão de ser professor.
ExcluirBelo texto
ResponderExcluirsalve Bandeirantes, heróis do nosso Brasil
ResponderExcluirpena q aos poucos os valores e reais heróis de nossos livros vão sendo varridos e fantasias e farsas ganhando espaço