Com o
revigoramento comercial e urbano a partir do século XI na Europa medieval novas
demandas e necessidades surgiram para atender a nova realidade
urbana-comercial. É neste contexto que surge a figura do INTELECTUAL e as
UNIVERSIDADES nos séculos XII, mas principalmente no século XIII. As
universidades nascem nas áreas urbanas como respostas as novas demandas
socioeconômicas. “O
século XIII europeu das cidades e do comércio foi também, e sempre no contexto
urbano, o século da Europa escolar e universitária (LE GOFF, 2007,p.174).
As universidades derivam das
escolas e foram criadas pela Igreja que foi a instituição mais poderosa da
Idade Média. Esta instituição buscava o aperfeiçoamento dos seus quadros e o
controle das ideias por meio do ensino.
De
qualquer forma, mesmo com a laicização o ensino não deixava de estar na área da
cultura clerical, entendida cada vez mais, como já dissemos, como cultura de
letrados, e não apenas cultura de eclesiásticos. Nesse processo, surgiram no
século XI as escolas urbanas, que se transformariam em universidades no século
XIII. Ambas eram produtos do crescimento demográfico–econômico-urbano, que
tornava a cidade mais complexa e mais necessitada de atividades intelectuais
(FRANCO JUNIOR, 2001, p.159).
E ainda:
Estas universidades são criações eclesiásticas,
de algum modo o prolongamento das escolas episcopais, das quais diferem no fato
de dependerem diretamente do Papa, e não do bispo do lugar. A bula Parens
scientiarum, de Gregório IX, pode ser considerada a carta de fundação da
universidade medieval, com os regulamentos promulgados em 1215 pelo
cardeal-núncio Roberto de Courçon, agindo em nome de Inocêncio III, e que
reconheciam explicitamente aos professores e aos alunos o direito de
associação. Criada pelo papado, a universidade tem um caráter inteiramente
eclesiástico. Os professores pertencem todos à Igreja, e as duas grandes ordens
que a ilustram no século XIII – franciscana e dominicana – nela vão cobrir-se
de glória com um S. Boaventura e um S. Tomás de Aquino (PERNOUD,1997, p. 65).
Infelizmente no senso comum é
difundida uma visão distorcida sobre a Idade Média como se neste período não a
cultura intelectual fora interrompida. Atualmente nem um historiador aceita ou
reproduz tal erro. Um exemplo dentre outros foi a universidade surgida neste
momento histórico. Segundo o grande historiador medievalista Jacques Le Goff:
“Se
essa Europa das escolas ‘primárias e secundárias’ trouxe uma base essencial
para o ensino na Europa, a criação mais espetacular e que inaugurou uma
tradição ainda viva hoje em dia foi a das escolas ‘superiores’, ditas
universidades. Essas escolas receberam, no final do século XII, o nome de
studium generale, escola geral, que indicava ao mesmo tempo um status superior
e um ensino do tipo enciclopédico” (LE GOFF, 2007, p.174).
Inicialmente o mestre
universitário foi acusado de vender aquilo que pertence a Deus, ou seja, a
ciência, porém com o crescimento da sua importância sua atividade foi
justificada. Ele possuía a função da reflexão e escrita, bem como, do ensino o
que levou Le Goff a chama-los de “intelectuais da idade média”.
Aos poucos as universidades foram
adquirindo autonomia em relação aos poderes das cidades e dos reis, no entanto,
por pertencerem à Igreja tiveram que aceitar intervenções. Vejamos como eram
essas:
Em compensação, as universidades,
por serem instituições da Igreja, tiveram que aceitar as intervenções
pontifícias. Mas estas foram, em geral, distantes e leves. Em certos casos, o
bispo do lugar utilizou seu poder teórico para intervir brutalmente nos
assuntos da universidade fazer reinar aí uma espécie de censura (2007, p.175).
As primeiras
universidades
Para o medievalista Jacques Le
Goff as universidades constituíram-se nas cidades como corporações, aliás o
termo universidade quer dizer justamente isso, “e que apareceu pela primeira
vez em 1221 em Paris, para designar a comunidade de mestres e de estudantes
parisienses” (LE GOFF, 2007, p.174).
A
primeira universidade foi a de Bolonha que desde 1154 recebia privilégios do
imperador Frederico Barba ruiva, porém recebeu seus estatutos do papa somente
em 1252. A universidade de Paris recebeu
privilégios do papa Celestino III em 1174 e do rei da França em 1200. Porém
recebeu o estatuto do legado pontifício em 1215. As universidades de Oxford,
Cambridge e Montpellier foram fundadas no início do século XIII.
Herdamos
do século XIII o recurso à greve e a mais longa e conhecida foi a dos mestres e
alunos da universidade de Paris que durou de 1229 a 1231 devido a hostilidade
do bispo e da rainha Branca de Castela.
Legou-se
também do século XIII a ideia de “intercambio” tão comum nos dias de hoje. Era
comum na idade média mestres e estudantes universitários saírem de forma
itinerante em busca do saber. Onde a reputação de uma universidade ou de um
mestre aumentasse os universitários corriam para lá. Os grandes mestres do
século XIII foram os padres Alberto Magno, Tomás de Aquino e Boaventura.
A vida universitária
Segundo
as constituições das disciplinas as universidades em geral possuíam quatro
faculdades, porém sempre uma sobressaía sobre as outras. A de Bolonha
destacou-se a de Direito, Paris a de Teologia, Montpellier a de Medicina.
Havia uma hierarquia pelo lugar
do curriculum e pela dignidade de uma faculdade de base propedêutica, a
faculdade das artes em que se ensinavam as artes do trivium (gramática,
retórica, e, sobretudo, dialética,), e as artes do quadrivium
(aritmética,geometria, astronomia e música). Esta faculdade foi, de fato,
muitas vezes dominada pelas disciplinas que hoje chamaríamos de científicas (LE
GOFF, 2007, p.177).
Mais
importante que a faculdade das artes estava
as especializações que podiam atrair os estudantes: a faculdade de Direito em
que se estudavam o civil e o canônico; a faculdade de medicina com ensino mais
livresco e teórico e a principal a faculdade de Teologia.
O
diploma de maior reputação era o mestrado em Teologia adquirido ao final de
onze anos de estudo. Interessante a citação de Le Goff:
O primeiro estágio era o
bacharelato, uma espécie de iniciação comparável com aquela que o jovem nobre,
o bacharel, adquiria ao entrar na cavalaria. Em seguida vinha o diploma
essencial, a licentia ubique docendi, a licença de ensinar em toda parte, que
se tornou nossa licenciatura. Só o papa podia conferir às universidades o
direito de dar esse título e o privilégio daí decorrente. O terceiro e último
grau superior era o doutorado, que fazia de seus beneficiários mestres (LE
GOFF, 2007, p.180).
Assim
entende-se as origens de muitos termos tão comuns na experiência universitária
atual. Vale ressaltar que o título de mestre não era reservado somente aos
nobres como pode-se imaginar. Os nãos nobres também poderiam recebê-lo. Vários
filhos de camponeses receberam o título, porém era exceção. O custo na
universidade era elevado e poucos conseguiam manter-se mais de 2 anos na
universidade. Os formados nas universidades apossaram-se dos postos mais
elevados de poder na Igreja e junto das autoridades leigas. Não esqueçamos que
a língua usada nas universidades medievais era o latim.
Esse mundo matizado possui uma língua comum, o
latim, única falado na universidade. É sem dúvida o que lhe evita ser uma nova
Torre de Babel, apesar dos grupos diversificados de que é composta. O uso do
latim facilita as relações, permite aos sábios comunicar-se de uma ponta à
outra da Europa, dissipa de antemão qualquer confusão na expressão, e salvaguarda
também a unidade de pensamento. (PERNOUD, 1997, p. 65-66)
As
universidades atraíam estudantes de todas as partes da Europa, pois o uso do
latim como língua comum facilitava o intercâmbio. “Elas atraem numerosos
estudantes; apelam para mestres muitas vezes renomados e até ilustres; é lá que
se elabora um novo saber, resultado das pesquisas do século XII, a escolástica”
(LE GOFF, 2007, p. 145).
Para a historiadora francesa
Régine Pernoud:
Como método, utiliza-se sobretudo o comentário.
Segundo a matéria ensinada, lê-se um texto — as Étymologies (Etimologias) de
Isidoro de Sevilha, as Sentences (Sentenças) de Pedro Lombardo, um tratado de
Aristóteles ou de Sêneca — e glosa-se o texto, fazendo todas as observações às
quais ele pode dar lugar, do ponto de vista gramatical, jurídico, filosófico,
lingüístico, etc. Portanto esse ensino é sobretudo oral, dá espaço importante à
discussão — questiones disputate — de assuntos na ordem do dia, tratados e
discutidos pelos candidatos na licenciatura perante um auditório de professores
e alunos.(PERNOUD, 1997, p.67)
Portanto, as universidades medievais foram criações
num contexto de mudanças na baixa Idade Média. Momento em que surge a figura do
mercador e desenvolve-se a utilização do dinheiro. Apesar de ser uma criação da
Igreja Católica aos poucos vai separando-se obtendo autonomia. Fica um exemplo
de que devemos muito à Idade média.
Referências
FRANCO
JUNIOR, H. A Idade Média: nascimento
do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001.
LE
GOFF, Jacques. As raízes medievais da
Europa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007;
LE
GOFF, Jacques. Por um novo conceito de
idade média: tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa: Estampa, 1979.
PERNOUD,
Régine. Luz sobre a Idade Média.
Lisboa: Europa –América, 1997.
Por Professor Bruno Rafael
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