Gerard Horst - Adoração dos pastores - 1622 |
Por professor e historiador Bruno Rafael
A partir da expansão do
cristianismo durante o império romano esta religião universalista chegou aos
quatro cantos do mundo de forma surpreendente. São várias as hipóteses para
este crescimento vertiginoso, no entanto, não é este o objetivo deste texto o
fato é que da Palestina ele chegou até nós no ocidente. No natal comemora-se o
nascimento da pessoa mais importante da religião cristã, ou seja, Jesus de
Nazaré. Porém, os Evangelhos não fixam
nenhuma data para o nascimento e são contraditórios.
Mateus situa o evento durante o
governo de Herodes, o grande, morto em 4 d.c e Lucas o situa durante um
recenseamento no império romano que os documentos dão conta que ocorreu no ano
6 d.c, mas que, na Judeia, aconteceu um ano depois (ROQUE, 2013).
Segundo a historiadora Maria
Isabel Roque (2013) os cristãos inicialmente não festejavam o nascimento, mas a
morte de Jesus enfatizando a páscoa. Talvez por isso a não preocupação de fixar
uma data. Mas qual o possível ano?
Através dos indícios encontrados nos relatos
evangélicos, em conjugação com a data da morte de Herodes e a passagem da
estrela de Belém que, segundo uma observação de Kepler geralmente aceite, se
tratou de uma possível conjunção de Júpiter e Saturno sobre a constelação de
Peixes (Sachs and Walker 1984, 43-44), estima-se que Cristo tenha nascido entre
os anos 7 e 2 a.c.(ROQUE, 2013, p.104).
Também o dia 25 de dezembro
fixou-se tardiamente, a mais antiga referência é do ano 354 de Furio Dionisio
Filocalo (ROQUE, 2013). Nesta data comemorava-se o solstício de inverno no
calendário romano e justifica-se pelo sincretismo entre o cristianismo e o
culto solar de Mitras e do Sol Invictus.
A história do Natal começa, na
verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É tão antiga
quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o solstício de
inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que acontece no final
de dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu,
até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas para luz: o “renascimento”
do Sol. Num tempo em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a
dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de
colheitas no ano seguinte. E então era só festa. Na Mesopotâmia, a celebração
durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o solstício para cultuar Dionísio, o
deus do vinho e da vida mansa, enquanto os egípcios relembravam a passagem do
deus Osíris para o mundo dos mortos. Na China, as homenagens eram (e ainda são)
para o símbolo do yin-yang, que representa a harmonia da natureza. Até povos
antigos da Grã-Bretanha, mais primitivos que seus contemporâneos do Oriente,
comemoravam: o forrobodó era em volta de Stonehenge, monumento que começou a
ser erguido em 3100 a.C. para marcar a trajetória do Sol ao longo do ano (
MINAMI; VERSIGNASSI, 2006).
A igreja católica aproveitou
manifestações religiosas do paganismo no império romano para cristianizar, ou
seja, inculturar a mensagem cristã nas práticas culturais romanas. Foi assim no
culto de Mitra,
O nascimento de Mitra, divindade
solar de origem persa incorporada no panteão romano, era celebrado em 25 de
dezembro. Além disso, também se celebrava, nessa altura, o Dies Natalis Solis
Invicti, festival do Sol Invicto, o invencível deus sol, cujo culto originário
da Síria, se implantara em Roma desde o início do século III, por acção do
imperador Heliogábalo. O dia do nascimento de Mitra ou do Sol Invicto no
solstício de inverno, a partir do qual diminui a distância angular entre o sol
e a terra e, no hemisfério norte, aumenta o tempo de exposição solar, comemora
a vitória da luz sobre a noite mais longa do ano (ROQUE, 2013, p.106).
O culto a Mitra é originário da
Pérsia (atualmente Irã), este culto chegou à Roma por meio dos soldados,
negociantes e escravos de províncias da Ásia. Segundo Dreher o culto a Mitra
tinha uma espécie de batismo, uma ceia sagrada, épocas de jejum, um sinal da
cruz, confirmação de novos membros para que se tornassem soldados da luz contra
as trevas, e havia também um culto de um novo nascimento, de conversão, de
redenção e ressurreição (DREHER,2004). Isso indica uma possível influência
deste culto para o próprio cristianismo, porém pensar numa espécie de “cópia” é
inadequado, visto que, as culturas sofrem influências e “ traduzem” a partir da
sua realidade e visão de mundo uma nova realidade, nesse sentido o cristianismo
é híbrido.
No senso comum a visão que se tem
de cultura é de algo “puro”, ou seja, sem influência de costumes, visões,
práticas de outros povos. A antropologia derrubou há muito tempo esta visão
distorcida. Sabe-se que as culturas são dinâmicas e passam por transformações,
sofrem influências, influenciam, traduzem influências a partir da sua realidade
e elaboram uma nova. Logo, inexistem culturas “puras”.
Nesse sentido a escolha do dia 25
de dezembro para festejar o nascimento de Jesus insere-se neste contexto de troca
cultural aproveitando-se que já se comemorava o nascimento de uma divindade.
Dessa forma,
Em 221 d.C., o historiador cristão Sextus
Julius Africanus teve a sacada: cravou o aniversário de Jesus no dia 25 de
dezembro, nascimento de Mitra. A Igreja aceitou a proposta e, a partir do
século 4, quando o cristianismo virou a religião oficial do Império, o Festival
do Sol Invicto começou a mudar de homenageado. “Associado ao deus-sol, Jesus
assumiu a forma da luz que traria a salvação para a humanidade”, diz o
historiador Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Assim, a invenção católica herdava
tradições anteriores. “Ao contrário do que se pensa, os cristãos nem sempre
destruíam as outras percepções de mundo como rolos compressores. Nesse caso, o
que ocorreu foi uma troca cultural”, afirma outro historiador especialista em
Antiguidade, André Chevitarese, da UFRJ (MINAMI; VERSIGNASSI, 2006).
Portanto, não se sabe o dia exato
do nascimento de Jesus e como vimos o ano também não é exato, pois os
evangelhos são contraditórios como demonstrado anteriormente. Como vimos a
escolha do dia 25 de dezembro para celebração não foi por acaso e foi
estratégica no sentido dos resultados alcançados pela escolha. Assim demonstrou-se o caráter híbrido do cristianismo e que isso não significa ser
algo negativo, mas uma demonstração da dinamicidade cultural.
Mestre Vyssi Brod - 1350 |
Referências
DREHER, Martin N. A Igreja no Império Romano. Coleção
História da Igreja, volume 1. 5.ed. São Leopoldo: SINODAL, 2004.
MINAMI, Thiago; Versignassi, Alexandre. A verdadeira história do
Natal. Revista Superinteressante.
Edição 233. Dezembro de 2006.
ROQUE, Maria Isabel. O menino de
Belém: Da Festa do Natal à Iconografia da Natividade e da Adoração. Gaudium Sciendi, nº 5, Dezembro 2013
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