Todos
os anos ao chegar o mês de dezembro somos irremediavelmente tomados pelo
“espírito” natalino, ou seja, clima de festas, confraternizações, filantropia,
enfeites e claro o consumo desenfreado. Sob a égide do capitalismo o período
natalino é marcado por idas e vindas ao templo shopping onde o deus mercado é
cultuado. Dessa forma, a voz dos Padres da Igreja que foram pessoas que viveram
entre os séculos II e VII e com seus escritos e testemunhos contribuíram para o
aprofundamento e desenvolvimento da fé cristã.
Infelizmente
muitos escritos perderam-se pelos caminhos da história, no entanto, a reflexão
sobre a encarnação do verbo divino chegou até nós. O natal de Jesus percebido
pelos Padres faz-nos recordar do sentido da natividade do mestre. Sem dúvida a
preocupação principal não foi o natal, mas o mistério da Páscoa do Filho de
Deus.
O
papa S. Leão Magno que foi pontífice entre 440 – 460 num dos seus sermões sobre
o natal afirmou:
A bondade divina sempre olhou de
vários modos e de muitas maneiras pelo bem do gênero humano, e são muitos os
dons da sua providência, que na sua clemência concedeu nos séculos passados.
Porém, nos últimos tempos superou os limites da sua habitual generosidade,
quando, em Cristo, a própria Misericórdia desceu aos pecadores, a própria
Verdade veio aos extraviados, e aos mortos veio a Vida. O Verbo, co-eterno e
igual ao Pai, assumiu a humildade da nossa natureza humana para nos unir à sua
divindade, e Deus nascido de Deus, também nasceu de homem fazendo-se homem.
Neste
texto de S. Leão Magno enfatiza a beleza da bondade divina que por puro amor
Deus desceu do céu para resgatar a natureza humana e uni-la definitivamente à verdadeira imagem do Pai.
Já S. Inácio de Antioquia por volta do ano 100 referindo-se ao nascimento de
Cristo declarou:
No
firmamento brilhou uma estrela maior do que todas as outras! A sua luz era
indescritível. A sua novidade causou estranheza. Mas todos os demais astros,
incluindo o Sol e a Lua, fizeram coro à Estrela. Esta, porém, ia arremessando a
sua luz por sobre todos os demais. Houve, por isso, agitação. Donde lhes viria
tão estranha novidade? Desde então, desfez-se toda a magia; suprimiram-se todas
as algemas do mal. Dissipou-se toda a ignorância; o primitivo reino
corrompeu-se, quando Deus se manifestou humanamente para a novidade de uma vida
eterna.
O
bispo de Antioquia chama-nos atenção para o aspecto libertador do acontecimento
e S. Efrém, teólogo e poeta sírio do século IV que nos deixou um vasto
conjunto de poemas e textos sobre o Natal, retoma esta convicção de S. Inácio
quando vê no “menino que se encontra na
manjedoura … aquele que rompeu o jugo que a todos oprimia”.
Interessante o que Santo
Agostinho diz sobre o menino divino que irrompe a noite escura pela qual a
humanidade passava e desperta o silêncio existencial humano:
mesmo sem dizer nada, deu-nos uma
lição, como se irrompesse num forte grito: que aprendamos a tornar-nos ricos
nele que se fez pobre por nós; que busquemos nele a liberdade, tendo Ele mesmo
assumido por nós a condição de servo; que entremos na posse do céu, tendo Ele
por nós surgido da terra.
O grande Agostinho refere-se a
Cristo como o verdadeiro sol da justiça Ele é aquele que tira a humanidade das
trevas:
Reconheçamos o verdadeiro dia e
tornemo-nos dia! Éramos, na verdade, noite quando vivíamos sem a fé em Cristo.
E uma vez que a falta de fé envolvia, como uma noite, o mundo inteiro,
aumentando a fé a noite veio a diminuir. Por isso, com o dia de Natal de Jesus
nosso Senhor a noite começa a diminuir e o dia cresce. Por isso, irmãos,
festejemos solenemente este dia; mas não como os pagãos que o festejam por
causa do astro solar; mas festejemo-lo por causa daquele que criou este sol.
Aquele que é o Verbo feito carne, para poder viver, em nosso benefício, sob
este sol: sob este sol com o corpo, porque o seu poder continua a dominar o
universo inteiro do qual criou também o sol. Por outro lado, Cristo com o seu
corpo está acima deste sol que é adorado, pelos cegos de inteligência, no lugar
de Deus que não conseguem ver o verdadeiro sol de justiça.
Interessante que o bispo de
Hipona afirma a verdadeira alegria é Cristo. No império romano era comum o
culto a uma divindade representada pelo sol, porém o bispo contrapõem essa
divindade com o verdadeiro sol que é Jesus.
Segundo
S. Máximo, bispo de Turim no século IV,
Jesus é o
novo sol que atravessa as paredes, invade os infernos, perscruta os corações.
Ele é o novo sol que com os seus espíritos faz reviver o que está morto,
restaura o que está velho, levanta o que está decadente e purifica ainda, com o
seu calor, aquilo que é impuro, aquece o que está frio e consome o que o que
não presta.
A exortação de S. Máximo
turinense de como preparar-nos para o natal do Senhor é sempre atual:
Preparemo-nos pois, irmãos, para
acolher o Natal do Senhor, adornemo-nos com vestes puras e elegantes! Falo,
claro está, das vestes da alma, não do corpo… Adornemo-nos não com seda, mas
com obras boas! Pois as vestes elegantes ornam o corpo, mas não podem adornar a
consciência; pois seria muito vergonhoso trazer sob elegantes vestes elegantes,
uma consciência contaminada. Procuremos acima de tudo embelezar os nossos
afetos íntimos, e poderemos então vestir belas roupas; lavemos as manchas da
alma para usarmos dignamente roupas elegantes! Não adianta dar nas vistas pelas
vestes se estamos sujos em pecados, porque quanto a consciência está escura,
todo o corpo fica nas trevas. Temos, porém, com que lavar as manchas da nossa
consciência. Pois está escrito: Dai esmola e tudo será puro em vós (Lc 11,41).
É importante este mandamento da esmola: graças a ele, ao operarmos com as mãos
ficamos lavados no coração.
Parece que a preocupação
meramente com o exterior não é de hoje. Natal virou sinônimo de status social
em que as disputas pela melhor roupa é a tônica do período. O Natal é o grande
acontecimento para toda humanidade não somente para um povo ou cultura, mas
para todos. Ela é a festa de todos pobres ou ricos. Segundo S. Leão Magno:
Nasceu hoje, irmãos, o nosso
Salvador. Alegremo-nos! Não pode haver tristeza quando nasce a vida; a qual,
destruindo o temor da morte, nos enche com a alegria da eternidade prometida.
Ninguém está excluído da participação nesta alegria; a causa desta alegria é
comum a todos, porque nosso Senhor, aquele que destrói o pecado e a morte, não
tendo encontrado ninguém isento de pecado, a todos veio libertar. Exulte o
santo porque está próxima a vitória; rejubile o pecador, porque é convidado ao
perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida… Por isso é que, quando o
Senhor nasceu, os anjos cantaram em alegria ‘glória a Deus nas alturas’ e
anunciaram ‘paz na terra aos homens de boa vontade’. Porque veem a Jerusalém
celeste ser formada de todas as nações do mundo, obra inexprimível do amor
divino, que, se dá tanto gozo aos anjos nas alturas do céu, que alegria não
deverá dar aos homens cá na terra?
Jesus é a grande sabedoria e a
verdade. Sempre o ser humano buscou a verdade, porém por caminhos nem sempre
éticos. Os Padres da Igreja são reconhecidos como grandes filósofos que
souberam enfrentar ou conciliar a fé cristã com a filosofia na antiguidade. O
grande Agostinho afirma:
Chama-se dia do Natal do Senhor a
data em que a Sabedoria de Deus se manifestou como criança e a Palavra de Deus,
sem palavras, imitou a voz da carne. A divindade oculta foi anunciada aos
pastores pela voz dos anjos e indicada aos magos pelo testemunho do firmamento.
Com esta festividade anual celebramos, pois, o dia em que se realizou a
profecia: A verdade brotou da terra e a justiça desceu do céu (Sl 84,12).
Maria, mãe de Jesus, não foi
esquecida das reflexões desses pensadores cristãos,
Neste dia, o Verbo de Deus
revestiu-se de carne e nasceu de Maria virgem. Nasceu de modo admirável...
Donde veio Maria? De Adão. Donde veio Adão? Da terra. Se Adão veio da terra e
Maria de Adão, também Maria é terra. E se Maria é terra, entendemos quando
cantamos: a verdade brotou da terra.
Enfim o que celebramos no natal?
S. Gregório Nazianzo responde:
Isto celebramos hoje: a vinda de
Deus ao meio dos homens, para que, também nós cheguemos a Deus… celebremos,
pois, a festa: não uma festa popular, mas uma festa de Deus, não como o mundo
quer, mas como Deus quer; não celebremos as nossas coisas mas as coisas daquele
que é nosso Senhor…
Como celebrarmos como cristãos o
natal de Jesus? Para tanto a resposta do bispo de Constantinopla do século IV é
bastante atual:
Não
embelezemos as portas das casas, não organizemos festas, nem adornemos as
estradas, não dêmos banquetes em nosso proveito nem concertos para mero agrado
dos ouvidos, não exageremos nos adornos nem nas comidas… e tudo isto enquanto
outros padecem fome e necessidades, esses que nasceram do mesmo barro que nós.
Que saibamos viver intensamente o
verdadeiro espírito natalino!
Por professor Bruno Rafael
Nenhum comentário:
Postar um comentário