Bruno Rafael Machado Nascimento
Mestre em Ensino de História
No atual território do Estado do
Amapá, no passado chamado de Cabo do
Norte (referência a um acidente geográfico no litoral que servia de orientação
para os navegadores que vinham comercializar com as populações indígenas), e
que em 1637 tornou-se uma capitania hereditária doada pelo rei Felipe da União
Ibérica à Bento Maciel Parente com o mesmo nome. Nesta região viveram várias
sociedades, como por exemplo, Tucujus,
Aruãs, Maraunus, Maraunizes, Maracúrios Oivanecas, Aricorés, Palikur, Maraones, Cumaú, Touré, dentre
outros povos nativos. Antes dos lusitanos chegarem, os indígenas mantinham
relações comerciais e de trabalho com holandeses, ingleses, irlandeses e
franceses. Apenas na segunda metade do século XVII que os portugueses
conseguiram expulsar os outros europeus. Os primeiros religiosos foram enviados
por Portugal para catequizar os povos
que viviam na região e evitar que os
europeus mantivessem contatos com eles e assim por meio das missões expandir o
território. Dessa forma, o texto tem objetivo de revelar quem foram esses
missionários no século XVII? Como viveram? Quais as suas dificuldades? Como os
indígenas agiram diante da intrusão?
Do
ponto de vista dos padres, a região da Amazônia colonial oferecia alguns
desafios. O primeiro foi a carência de missionários para dar conta da imensidão
do território. Observe o relato do padre jesuíta Luís Figueira em seu escrito
ao rei Filipe no ano de 1637: “Nem só o
gentio do Maranhão e Pará está desamparado no espiritual; mas também os mesmos
portugueses por falta de prelado [...] morrem os portugueses sem confissão, e
estão anos e anos sem missa” (Memorial
sobre as terras e gentes do Maranhão, Grão-Pará e rio das Amazonas que o padre
Luís Figueira enviou a El-Rei D. Filipe IV em 1637). Especificamente à
região do atual Amapá, os missionários Capuchos de Santo Antônio reclamavam das
condições climáticas, dos alagamentos, da resistência dos indígenas à catequese,
ao ponto de resumirem da seguinte forma a vida neste território: “é odiosa a palavra do Cabo do Norte [região
do atual Amapá], a que todos chamam cabo da morte” (Exposição dos franciscanos, de julho e agosto de 1698 e julho de 1699).
Os Capuchos de Santo Antônio
Os primeiros missionários a entrarem
no Cabo do Norte foram os
franciscanos Capuchos da Província de
Santo Antônio que, com muita dificuldade, faziam no século XVII as
“visitas” e fundaram aldeamentos no atual Amapá, onde chamavam essas terras de “doentias” devido, principalmente, as
doenças que assolavam os indígenas e religiosos que lá viviam. Nesse mesmo
século, os portugueses entraram em conflitos e expulsaram holandeses, ingleses,
irlandeses que negociavam com os nativos. Os franciscanos fizeram-se presente
nessas guerras, por exemplo, o frei Cristovão de São José acompanhou o capitão-mor Luís de Aranha na
expulsão de “estrangeiros”. Na época, era comum a presença de religiosos com os
militares para ajudar, por exemplo, na “pacificação” de indígenas.
Imagine
as dificuldades enfrentadas pelos frades de Santo Antônio no início da cristianização
das gentes que viviam na região. Eram poucos, enfrentavam as doenças, andavam
na imensidão da floresta amazônica por meio de canoas conduzidas pelos nativos,
não dominavam plenamente as línguas dos povos e, muitas vezes, corriam o risco
de serem mortos pelos indígenas. Os franciscanos que andavam catequizando na
região do rio Araguari e de Macapá denunciavam a presença constante dos
franceses que vindos da Guyane
(Guiana francesa) entravam em território português e comercializavam com as
gentes do Cabo do Norte. Os
capuchinhos que por aqui catequizavam focaram as suas ações nos Aruãs e nos
Tucujus que não aceitavam facilmente a evangelização, pois os missionários
tentavam obrigá-los a fazer orações, participar das celebrações e mudar a sua
cultura como, por exemplo, beber as suas bebidas.
Os missionários reclamavam que os
Tucujus e os outros povos que viviam no rio Araguari, e na região de Macapá
preferiam os franceses. Frei João de Santo Atanásio informava em carta de 1684 às autoridades coloniais
da vinda de franceses para negociar escravizados com os indígenas. Para
conquistá-los, davam presentes e até faziam o ato de “beber com eles” para “roubar
os afetos e corações”. Além disso, denunciou que eles foram até as aldeias
dos Tucujus (onde os frades catequizavam) negociar escravizados. Ainda no final
do século XVII houve uma invasão francesa comandada por Ferroles, e os Aruãs e
Tucujus ajudaram os franceses na tomada de um forte português na região de
Macapá, destruíram as missões dos franciscanos e fugiram para Guiana francesa
com medo da repressão portuguesa.
Os freis Manuel da Paixão e José de
Santa Maria não desistiram e foram em busca de converter os Tucujus, Aruãs e
Maraones. Devido a falta de apoio, recursos e doenças, os frades franciscanos
de Santo Antônio resolveram abandonar as missões, mas em 1701 voltaram e
fundaram uma missão no rio Jari, pois pela divisão das áreas de atuação das
ordens missionárias que agiam na Amazônia, coube aos Capuchos de Santo Antônio,
a pedido do rei de Portugal D. Pedro II em carta régia de 19 de março de 1693,
que missionassem no “sertão chamado Cabo
do Norte [atual Amapá], para
que discorrendo pela margem do dito Rio compreendam os Rios do Jari, do Paru, e
Aldeia de Urubuquara”.
São
poucas as informações sobre a presença dos Capuchos de Santo Antônio no atual
Amapá em um período tão distante, mas é necessário conhecer um pouco das suas
histórias nessas terras que ainda hoje necessitam de padres para assistir
espiritualmente e materialmente o seu povo. Porém, ao mesmo tempo em que os
franciscanos estavam catequizando, vieram os padres da Companhia de Jesus
(jesuítas) missionar neste território. Você conhece essa história? Vamos
navegar por estes rios e igarapés cheios de fé e história.
Os
missionários jesuítas
Assim como os franciscanos, também os
padres jesuítas ou inacianos estiveram por “terras tucujus” no século XVII, na
tentativa de catequese dos indígenas. Chegaram, inclusive, a estabelecer duas
missões na região do rio Araguari, mas algo aconteceu. Dois padres foram mortos
pelos nativos. Os indígenas ficaram com medo de que os missionários viessem
ajudar os portugueses a escravizá-los, além disso, os religiosos queriam mudar
os seus costumes e modos de viver deles.
Os
missionários inacianos vieram para o atual Amapá a pedido do rei de Portugal
que na provisão real
de 1º de abril de 1680 escreveu: “E particularmente encomendo aos superiores
da Companhia que as primeiras destas missões sejam da outra banda do rio das
Amazonas para a parte do Cabo do norte”. A função desses missionários era a
“conversão do gentio [indígenas]” e evitar que eles passassem
para o lado dos franceses. No dia seguinte, o padre Antônio Vieira pediu
prioridade para os jesuítas fundarem missões no “Amapá” e indicou o missionário
suíço Aloísio Conrado Pfeil, pois era excelente matemático e cartógrafo. Dessa
forma, ele poderia elaborar um mapa da região e assim ele o fez. Ainda em 1680,
os jesuítas Pier Luigi Consalvi, irmão Manuel Juzarte e o missionário Pfeil
vieram fazer o reconhecimento. Mas apenas em 1687 o padre Aloisio Pfeil
acompanhou o capitão-mor do Pará Antônio de Albuquerque na aproximação com os
indígenas.
A missão foi instalada no lago
chamado Camonixari na região do rio Araguari, onde ficaram em julho de 1687 os
padres jesuítas Antônio Pereira e Bernardo Gomes. O capitão-mor e Pfeil
voltaram à Belém, mas passaram pela aldeia de Tabarapixi, onde o missionário,
com ajuda dos soldados, construiu sua residência e nova missão. Os dois
missionários da missão de Camonixari ficaram na casa do líder indígena e depois
construíram uma pequena igreja. Buscaram catequizar os indígenas da redondeza,
mas não foram bem aceitos. Quiseram obrigar os indígenas a mudar seus costumes
da “bebedice” e “poligamia”.
No mês de setembro de 1687, os
indígenas decidiram atacar os missionários e os mataram. O primeiro a ser morto
com uma paulada na cabeça foi o padre Antônio Pereira que estava em sua rede
lendo um livro. Depois e da mesma forma mataram o padre Bernardo Gomes. O
jesuíta João Felipe Bettendorff escreveu o livro Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão em
1697 e relatou sua visão sobre os fatos. Segundo ele, depois das mortes, os
indígenas: “partiram-nos em pedaços,
assando e comendo-os”, além disso, incendiaram a casa dos padres. A ideia
do João Felipe Bettendorff foi exaltar o suposto martírio dos jesuítas no
“Amapá” afirmando que os indígenas não aceitaram a pregação e, por isso, os
mataram. Morreram em nome da fé.
Segundo Bruno Nascimento (2018) em
sua obra, Ad Majorem Dei Gloriam, parte
dos envolvidos fugiu para Guiana francesa e outros foram capturados e julgados.
Durante o processo, alguns indígenas foram ouvidos e deram suas respostas sobre
as mortes. Disserem crer que os padres queriam roubá-los, que os proibiam de viver
com suas mulheres (não possuíam o matrimônio), e que os franceses haviam dito a
eles que os missionários eram mentirosos, pois estavam apenas os entretendo até
a chegada do capitão-mor para escravizá-los. Como punição muitos indígenas
foram mortos e outros foram mandados para o Maranhão.
Essas mortes no atual Amapá foram
dolorosas para ordem dos jesuítas que não quiseram mais ficar aqui e
abandonaram a missão de Tabarapixi, onde ficou o padre Pfeil. Apenas os frades
de Santo Antônio ainda continuaram a percorrer a região.
Mapa - Possível localizações das missões jesuíticas
Fonte: Barão do Rio Branco (2012). Adaptado pelo autor.
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Portanto,
constatou-se neste texto que a presença do catolicismo no Amapá vem desde o
século XVII com as duas ordens missionárias e culmina com a fundação da Igreja
de São José de Macapá em 1761, como símbolo máximo do cristianismo nestas
terras tucujus. Apesar dos novos desafios da evangelização, algumas
dificuldades ainda permanecem de forma semelhante ao passado distante, porém
nunca faltou a fé para alcançar mentes e corações para o Cristo.
Abaixo se tem um prospecto da Igreja
de São José de Macapá feito em 1759, ou seja, antes da sua inauguração e que
foi sendo alterado com o passar dos anos. O engenheiro foi o sargento-mor Thomas
Rodrigues da Costa. A igreja estava localizada em frente à praça São Sebastião
(atualmente Veiga Cabral), e as travessas que passavam pelos lados dela eram a
Espírito Santo e Santo Antônio (MALCHER, 1998). Apesar de não ter sido
construída integralmente conforme as plantas, é possível perceber a semelhança
com a igreja atual (faça um exercício comparativo: observe se há as duas
torres, a quantidade de janelas). Por que isso aconteceu? Possivelmente pelo
estilo pragmático utilizado na construção de Macapá e pela falta de recursos.
Essa região central a partir a igreja foi onde se originou Macapá, e é preciso
uma ação adequada para a preservação do patrimônio histórico e urbanístico para
que não se percam as referências com o passado.
Projeto - Prospecto da Igreja de São José de Macapá em 1759
Fonte: Renata Malcher (1998, p. 162)
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Referências
MALCHER,
Renata. As cidades da Amazônia no século
XVIII: Belém, Macapá e Mazagão. Porto: FAUP, 1998.
NASCIMENTO, Bruno Rafael Machado. Ad majorem Dei gloriam: missões
jesuíticas setecentista no Oiapoque e os usos de documentos históricos para o
ensino de História no Amapá. Rio de Janeiro: Autografia, 2018.
REIS. Arthur
Cezar F. Limites e demarcações na
Amazônia brasileira: a frente colonial com a Guiana Francesa. 2. ed. v.1.
Belém: SECULT, 1993.
RIO BRANCO,
Barão do. Obras do barão do Rio Branco
III: questões de limites Guiana Francesa primeira memória. Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, 2012.
Maravilhoso post! Sempre aprendemos sobre outras culturas, outros povos, e acabamos esquecendo da grande história do nosso grandioso Amapá. Deixo aqui meus agradecimentos pelo acervo. Obrigado! <3
ResponderExcluirGostei muito do artigo, parabéns !!!
ResponderExcluirMuito bom o texto!
ResponderExcluirQue raiva vou sentir ao passar na frente dessa igreja!
Quão importante é conhecermos nossa história. Amapá, cheios de riquezas naturais e históricas.
ResponderExcluirmuito bom o artigo, gostei de conhecer um pouco mais da Historia do Amapá
ResponderExcluirTriste ver tanto esforço de se defender uma fé construída através a destruição e sob o sangue dos povos originários o então Amapá, afinal a história é escrita pelos vencedores das guerras e pelos hérois de um passado sombrio da igreja.
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