Professor Me. Bruno Rafael Machado Nascimento
Antes de tratarmos sobre a presença
dos missionários jesuítas na Amazônia durante o século XVII é importante você
saber quem foram e quando surgiram os membros da Companhia de Jesus. A Companhia é uma ordem religiosa da Igreja Católica que foi fundada por um espanhol
chamado Inácio de Loyola. Este
indivíduo que hoje é considerado santo não era nenhum pouco religioso. Ele era
de família nobre e, portanto, um soldado. Inácio estava em uma batalha quando
uma bala de canhão o feriu e ele ficou muito doente. Enfermo refletiu sobre a
vida que levava e começou a ler as histórias dos santos. Ficou impressionado e
resolveu se converter e tornar-se amigo de Jesus. Começou a se interessar pela
doutrina católica e passou a pregar, porém sentiu a necessidade de aprofundar
seus estudos e foi para universidade de Paris na França. Lá, juntou seis
companheiros e decidiram que seriam evangelizadores pelo mundo inteiro, isso
foi em 1534. No ano de 1540 o papa oficializou a nova ordem fundada por Inácio
de Loyola com o nome de Companhia de Jesus e por isso os seus membros foram
chamados de jesuítas, inacianos ou
filhos de Loyola. Os jesuítas tinham a missão de catequizar ou evangelizar
todas as pessoas e todos os povos.
Os jesuítas chegam ao “Brasil”
A Igreja Católica estava passando por
várias mudanças devido as reformas
religiosas, principalmente o rompimento com o alemão Martinho Lutero que
acabou fundando outra igreja chamada depois de protestante que se separou da
católica. Daí surgiram várias outras igrejas e temos hoje no Brasil milhares.
Certamente você é evangélico ou conhece alguém que seja. O fato é que a Igreja
Católica necessitou dos jesuítas, pois o número de católicos estava diminuindo,
além disso, Espanha e Portugal haviam conquistado as Américas. Os membros da
Companhia de Jesus foram enviados para evangelizar na África, Ásia, Europa e
nas Américas. Foram espalhados pelo mundo inteiro com o desejo de “salvar
almas” e em 1549 chegaram à Bahia (Brasil) sob o comando do padre Manuel da
Nóbrega e depois veio o espanhol José de Anchieta. O rei de Portugal os enviou
para catequizar os colonos ou moradores portugueses, assim como os
povos indígenas.
Começaram a visitar os moradores e se
espalharam pelo território. Realizavam missas, ouviam as confissões, visitavam
os doentes, catequizavam as crianças. Perceberam que faltava educação nestas
terras e resolveram fundar colégios na Bahia, Pernambuco, São Paulo, Maranhão,
Pará, Rio de Janeiro. Atenderam principalmente os mais ricos, mas também os
pobres frequentavam os colégios dos jesuítas. Com relação aos indígenas, os
padres e irmãos (os jesuítas que não eram padres) visitavam as aldeias. Lá,
eles passavam um tempo ensinando o catecismo
(ensinamentos do catolicismo), diziam aos indígenas para abandonarem os seus
costumes, faziam missas, batizavam e depois voltavam para suas residências nas
cidades. Porém, os missionários perceberam que os indígenas não mudavam as suas
culturas do jeito que gostariam. Ficaram insatisfeitos e chamavam os ameríndios
de “bárbaros”, “inconstantes”, “gentios”, “preguiçosos” apenas por não fazerem
o que eles desejassem. Será que eram isso? Com certeza não. Infelizmente há
pessoas ainda hoje que pensam isso sobre os povos indígenas.
Criação das missões ou aldeamentos
Como apenas as visitas às aldeias não
deram o resultado esperado, os padres resolveram implantar as missões ou aldeamentos, ou seja,
construir um lugar onde os indígenas viviam sob o governo dos missionários
jesuítas e onde os ameríndios negociavam com padres para continuarem ou
adaptarem certos costumes. As várias populações saíam das suas aldeias e
passaram a viver em um lugar que havia igreja, onde conviviam com outros povos
indígenas, sob o controle dos padres e onde trabalhariam para sustentar a
todos. Este método fixava os povos em um único lugar, pois nas tradições
indígenas era comum a mobilidade, isto é, mudavam de local o que atrapalhava o
serviço dos sacerdotes. Com a aprendizagem do método de aldeamento ou missão os
jesuítas foram para o norte do “Brasil”.
Jesuítas chegam à Amazônia
Demorou um pouco para os inacianos se
estabeleceram definitivamente na Amazônia. É certo que no início do século XVII
o padre Luís Figueira andou pela região amazônica e percebeu as possibilidades
econômicas, bem como, a grande quantidade de “nações” (povos) indígenas. Ele
foi à Portugal e foi instituída a missão no Estado do Maranhão e Grão-Pará
(sobre este Estado veja a primeira aula) em 1639. Padre Luís Figueira foi o
primeiro superior (líder) da missão, mas ao retornar de Lisboa em 1643 com
outros companheiros a embarcação afundou nas ilhas do Marajó e Figueira
juntamente com outros foram mortos pelo povo Aruã.
Apenas em 1653, sob o comando do
padre Antônio Vieira na missão do Maranhão que os jesuítas se estabeleceram
definitivamente. Vieira como superior fortaleceu e aumentou o número de missões
em toda Amazônia. Sua administração foi marcada pela defesa da “liberdade” dos
indígenas e os conflitos com os colonos que queriam escravizar e explorar muito
os indígenas. A principal força de trabalho eram os braços indígenas, pois eles
que faziam as coletas das drogas do
sertão (plantas usadas como temperos ou remédios que tinham um grande valor
comercial, por exemplo, cravo, canela, baunilha, cacau, andiroba) eram os
remadores e pilotos das canoas, construíam casas, embarcações, igrejas, fortes,
fortalezas. Produziam a farinha e redes, coletavam o cacau, caçavam, pescavam e
trabalhavam nas roças. Eram domésticas e amas de leite. Em uma simples palavra,
faziam de tudo e todos dependiam dos seus trabalhos e por isso os colonos os
tratavam como escravos. Como o padre Antônio Vieira era um obstáculo para isso,
os moradores de São Luís se revoltaram e expulsaram os jesuítas, e claro Vieira
em 1661.
Como era a vida em uma missão ou aldeamento na Amazônia colonial
Uma missão ou aldeamento não se
iniciava por acaso e nem de qualquer maneira. Os jesuítas chegavam e se
aproximavam dos chefes indígenas que eles chamavam de “principais”. Faziam
amizade e prometiam que se fossem viver com os padres receberiam terras e proteção
para viverem longe dos colonos e de povos inimigos. Os missionários ofereciam certos objetos como
machados, facas, anzóis e cachaça. Alguns objetos ajudavam na vida dos
indígenas, mas outros causavam problemas como a cachaça. Em alguns casos os
indígenas pediam para verificar se o local do futuro aldeamento era adequado
para caça, pesca, plantio e só depois aceitavam. Em outras ocasiões, eles
pediam para mudar o espaço da missão para mais próximo dos rios e florestas.
É importante você compreender que nas
missões, os indígenas estavam sob o controle dos padres, mas eles também faziam
os missionários respeitarem as suas vontades. Aprenderam, mas também ensinaram.
Quem ensinava a pesca? A natação? Quem fabricavam as canoas? Os remadores e
pilotos? Os guias na floresta e rios? As redes? Quem sabia os remédios
naturais? Certamente os indígenas. Como era a vida nos aldeamentos jesuíticos?
Os padres ensinavam as crianças e alguns adultos a ler e escrever. Eles
preferiam as crianças, pois acreditavam que seriam mais fáceis de converter ao
catolicismo.
Tinha um grande problema que os
filhos de Loyola tiveram que enfrentar para se comunicar com muitos povos: a
língua. Eles tiveram que aprender e para facilitar aos missionários que ainda
chegariam, escreveram gramáticas e dicionários das línguas, ou seja, com
esses materiais aprendiam as línguas antes de chegar às missões. Alguns padres
tinham facilidades e outras muitas dificuldades em aprender (igual a nós).
Quando não dominavam uma língua, contavam com ajuda de algum nativo aldeado
(que vivia nos aldeamentos) como intérprete para traduzir. Com o passar do
tempo e para facilitar a comunicação utilizaram uma língua de origem Tupinambá
chamada de Nheengatu (língua geral)
que era falada em toda Amazônia e nas missões. Isso ajudou muito na comunicação
com os vários povos.
Nas missões, os padres tentavam de
toda forma mudar os costumes dos indígenas. Principalmente a poligamia, isto é,
possuir várias mulheres. As casas eram construídas para viver apenas um homem e
uma mulher com seus filhos. E agora? Os indígenas obedeciam? Podemos dizer que
mais ou menos. Os ameríndios adotaram algumas práticas católicas e outras não.
Outras vezes eles “misturaram” as suas culturas com os ensinamentos dos
missionários criando uma nova cultura. Muito dessas culturas estão presentes
nos caboclos e ribeirinhos da Amazônia, isto é, nos nossos bisavós e avós.
Uma das principais lutas dos padres
foi contra os pajés (xamãs) que nas
religiões indígenas é uma pessoa muito importante, pois cura doenças, adivinha
o futuro e dá conselhos. Até hoje entre os caboclos ou ribeirinhos da Amazônia
há quem procure ajuda com os pajés e também gente que mora nas cidades estão
procurando não só a cura de doenças, mas também aprender com os xamãs. Essas
líderes espirituais merecem nosso mais profundo respeito.
Os jesuítas os chamavam os pajés
(xamãs) de “feiticeiros” e diziam que eram movidos pelo demônio; por isso,
proibiam de ter pajés nas missões e não era permitido aos ameríndios irem a
busca deles. Os indígenas obedeceram? Obviamente que não, pois para eles era
algo normal pedir ajuda aos pajés e aos padres. Ambos eram bem vistos pelos
nativos e não viam problema em rezar o terço, ir à missa, fazer as orações e
depois pedir bênçãos aos pajés. Com o
tempo, os xamãs incorporaram elementos do catolicismo em suas religiosidades,
por exemplo, gestos, orações e aconteceram casos que os pajés faziam “missas”
semelhantes aos dos jesuítas, pois acreditavam que isso ajudava a com bater o
mal. Os missionários ficavam aborrecidos!
Você consegue perceber que os
indígenas não se deixavam dominar pelos jesuítas? Em geral eles preferiam viver
em missões a ser explorados pelos colonos. Será que um ou dois jesuítas em uma
missão conseguia controlar cerca de 600 pessoas? Não. Por isso os padres
contaram com ajuda dos próprios chefes (principais) indígenas que orientavam os
jesuítas onde fazer roças, como organizar os trabalhos ou como punir quem havia
desobedecido uma ordem. Como você pode imaginar muitas coisas foram feitas às
escondidas. Visitavam o pajé a noite ou faziam suas danças fora da missão.
A vida nos aldeamentos ou missões era
marcada pela religião e pelo trabalho. Os padres ensinavam o catecismo, faziam
missas, batizavam, casavam os indígenas, ouviam as confissões, visitavam os
doentes, realizavam procissões. Pela manhã havia missa na Igreja onde os
indígenas eram obrigados à participar (caso contrário poderiam levar
chicotadas), depois iam para os trabalhos comunitários: caça, pesca,
plantações, produção de farinha, fabricação de telhas, vasos, canoas, armários
etc. Ao meio-dia o padre distribuía alimentos para o almoço onde cada família
preparava a sua comida. Após o almoço os adultos voltavam para o trabalho e as
crianças iam às escolas e também aprendiam cantos e a tocar certos
instrumentos. À noite após o banho os indígenas voltavam à Igreja para fazer as
orações. Claro que isso variou de missão para missão e em cada uma havia a residência dos jesuítas.
Portanto, no interior das missões os
indígenas tiveram papel fundamental e não apenas cumpriam o que os padres
desejavam. Eles aprendiam diferente e do seu próprio jeito. Não abandonaram
seus ritos e religiões, mas muitas vezes “misturavam” o que aprendiam dos
jesuítas. Por vários motivos muitos fugiam dos aldeamentos e preferiam viver
fora e sem o controle dos missionários. Outros se revoltaram e chegaram até
matar sacerdotes e outros recusaram viver nos aldeamentos. O fato é, viver
vários povos diferentes em uma mesma missão trouxe aspectos negativos: brigas,
desorganização das sociedades indígenas e epidemias (disseminação de doenças
que levaram muitos a morte). Os padres não respeitaram as culturas indígenas e
tentaram a todo custo mudar, mas os indígenas resistiram ou se adaptaram ao
mundo colonial e com muita luta conseguiram sobreviver apesar da colonização,
exploração e escravidão. Eles vivem e crescem a cada ano. Saibamos respeitar e
valorizar os povos indígenas.
Abaixo tem-se um mapa que identifica
as missões jesuíticas na Amazônia colonial entre os séculos XVII e XVIII. Nele
identifica-se o quanto eles se expandiram por toda Amazônia e chegaram até no “Cabo
do Norte” (região do atual Amapá). Observa-se também que eles foram enviados
pelo rei de Portugal para as fronteiras com outros países. O objetivo foi “pacificar”
os indígenas para viverem nas missões e se tornarem súditos de Portugal.
Portanto, a função não foi apenas religiosa, mas também política. Por meio da
aliança com os povos indígenas a colonização foi possível. Sem eles seria
impossível.
Mapa I – Expansão dos jesuítas na
Amazônia (século XVII e XVIII)