Pré-História do Brasil
Falar em Pré-História do Brasil é
montar um complicado quebra-cabeças com muitas peças faltando. A dificuldade
começa já no título: Pré-História, uma expressão que passa a ideia errada de
ser um período sem História. Os indígenas brasileiros tiveram uma história
própria, de milhares de anos em que suas culturas, técnicas e artes sofreram
mudanças e influencias. Entendemos por Pré-História os períodos da História sem
escrita e que, por isso, só pode ser estudado pelos objetos feitos pelo homem.
A divisão tradicional em Paleolítico, idade da pedra lascada, e Neolítico,
idade da pedra polida também é contestada pelos especialistas. Praticamente
essas expressões caíram em desuso no mundo científico. Atualmente, os
cientistas preferem usar termos geológicos: Pleistoceno e Holoceno.
Pleistoceno (aproximadamente de 1,8 milhões de anos atrás a 10 mil anos atrás)
O clima e a vegetação do Brasil durante o Pleistoceno eram muito diferentes dos
atuais. O clima era úmido e mais frio. Uma densa floresta de grandes árvores,
cipós e samambaias cobria o que hoje é o semiárido nordestino. Rios, lagos e
cachoeiras dominavam os campos. Durante o Pleistoceno, uma megafauna, hoje
extinta, habitava as florestas e os campos do território brasileiro. Tatus
gigantes, os gliptdontes, com 3 metros de comprimento e pesando quase uma
tonelada e meia. Sua forte carapaça, quando vazia, podia servir de abrigo aos
homens primitivos. Preguiças gigantes, o megatherium, pesando umas 4 toneladas,
tinham o tamanho de um elefante. Passavam o dia todo comendo folhas de árvores
e arbustos, utilizando sua língua comprida para obtê-las. Com suas poderosas
garras, vergavam facilmente os galhos das arvores. Mas o animal mais temido era
o tigre dente-de-sabre. Um felino com 3 metros de comprimento e pesando 900
quilos, ele foi o grande predador de preguiças, gliptdontes e outros animais da
megafauna. Já o Holoceno inicia-se mais ou menos a 10 mil anos atrás até os
dias atuais. Neste período os climas atuais instalam-se, assim como as faunas
modernas. Ele inicia com o fim da última glaciação e os oceanos sobem.
Preguiça gigante |
Povoamento
do Brasil e o caso Luzia
Foi durante do Pleistoceno que
ocorreu o povoamento do território que hoje corresponde ao Brasil. Vale
ressaltar que o que atualmente chamamos de Brasil não existia antes de 1822
quando surge este país de forma independente. Os primeiros grupos humanos que ocuparam nosso
território são chamados de paleoíndios. As ossadas mais antigas de paleoíndios
encontradas no Brasil pertencem ao final do Pleistoceno, entre 12 mil e 11
anos. Foram encontradas em 1975 na região arqueológica de Lagoa Santa, em Minas
Gerais. Entre as ossadas, está Luzia, o esqueleto mais antigo das Américas, de
11.680 anos. Em 1999 aconteceu a reconstituição facial do crânio de Luzia feita
por pesquisadores da universidade de Manchester surpreendeu o mundo científico.
Seus traços não eram iguais aos indígenas atuais, ou seja, mongoloides cujos
antepassados são de origem asiática que são semelhantes aos chineses e
japoneses. Luzia, diferentemente, tinha traços negroides, semelhantes aos
africanos e aos nativos da Austrália e da Polinésia. Essa descoberta levou os
cientistas a uma nova hipótese sobre o povoamento da América. Ele teria sido
feito por dois tipos humanos com características físicas distintas: um tipo
negroide, possivelmente o mais antigo, vindo da Austrália ou das ilhas da
Melanésia e da Polinésia e um grupo posterior, de origem asiática que teria
entrado na América pelo estreito de Bering, e que acabou dominando o continente
e dando origem aos indígenas atuais. Quais as consequências dessas descobertas?
Segundo o pesquisador Walter Neves que estudou as ossadas de Luzia e de outros
com o tipo africano/australiano propõe que houve uma onda migratória também
pelo estreito de Bering, mas anterior aos grupos humanos asiáticos que deram
origem aos índios americanos. Porém, muitos pesquisadores não estão convencidos
com estas interpretações baseadas na morfologia dos crânios humanos. Segundo os
arqueólogos Pedro Paulo Funari e Francisco Noelli (2006) os argumentos
contrários baseiam-se em:
1º O número
de crânios ainda são pequenos o que impede uma sólida comparação;
2º As
diferenças cranianas não se explicam somente por migrações de povos, mas também
por fatores ligados ao meio ambiente e à adaptação humana a tais variações;
3º Certas
semelhanças entre os paleoíndios americanos e os aborígenes australianos podem
ser explicadas como características que ambos herdaram de um ancestral comum,
perdidas pelos mongoloides nos últimos 15 ou 10 mil anos.
Crânio da "Luzia" e sua possível característica |
A pedra furada na
Serra da Capivara, Piauí
Serra da Capivara |
Outras descobertas surpreendentes foram feitas
nas escavações arqueológicas na Serra da Capivara, no município de São Raimundo
Nonato, sul do Piauí. Ali foram encontrados esqueletos de 8.000 anos e
vestígios de presença humanos ainda mais antigos que Luzia: são pinturas
rupestres, restos de fogueiras e artefatos de 17 mil anos até 48 mil anos. Os resultados das escavações na Serra da
Capivara levaram os cientistas a rever sua hipótese sobre a data do povoamento
da América: ele teria ocorrido há pelo menos 40 mil anos atrás, isto é, muito
antes do que se suponha. Para os
pesquisadores desta região os primeiros povoadores teriam vindo por meio de
embarcações pelas ilhas do oceano Pacífico. Entre tantas descobertas,
discussões e novas hipóteses, uma coisa é certa: por volta de 12 mil anos
atrás, o território brasileiro já estava plenamente ocupado por diversos grupos
de paleoíndios.
Por essa época, a megafauna do
Pleistoceno ainda habitava florestas e campos brasileiros: tatus gigantes,
preguiças pesando 5 toneladas e ferozes tigres dente-de-sabre viviam onde hoje
é Minas Gerais, Bahia e todo sertão nordestino. Os paleoíndios tiveram que
desenvolver uma série de reflexos e precauções para sobreviverem em um ambiente
povoado por esses gigantes. Por volta de 9 mil anos, na transição entre o
Pleistoceno e o Holoceno, o clima começou a mudar. As chuvas diminuíram, os
rios secaram e a vegetação modificou-se. Os grandes animais começaram a
desaparecer por fome ou sede. O clima tropical úmido transformou-se no
semiárido de hoje. Essas mudanças ficaram marcadas nas formações geológicas que
compõem a Serra da Capivara, no sudeste do Piauí. Ali ainda pode ser vista
parte da floresta tropical úmida da Pleistoceno e a vegetação de caatinga
formada no Holoceno. Da megafauna restaram numerosos fósseis estudados pelos
paleontólogos. No fundo dos vales e no alto das chapadas, existem abrigos
rochosos que serviram de refúgio ou de acampamento temporário para os
paleoíndios. Nas paredes desses abrigos, eles pintaram uma enorme quantidade e
variedade de figuras que hoje é considerado o maior conjunto de pinturas
pré-históricas do mundo. As pinturas têm diferentes datações o que indica que a
região foi habitada de forma ininterrupta por mais de 40 mil anos e seus
autores pertenceram a diversos grupos étnicos. As pinturas não são homogêneas
nem padronizadas. As temáticas variam como também o estilo, a composição das figuras
e as técnicas de registro. Os seres humanos são pintados isolados ou em grupo,
usando ornamentos, armas e outros objetos. Jamais poderemos saber exatamente
que mensagens guardavam, pois seus significados se perderam com o
desaparecimento dos povos que as criaram. As pinturas rupestres são uma forma
de linguagem anterior à escrita. Mesmo sem conseguir decifrar seu código, elas
são fontes de informações para os cientistas sobre a Pré-História do Brasil.
Informam sobre o modo de vida daqueles seres humanos e seu ambiente natural. As
mudanças de estilos nas pinturas indicam que ocorreram transformações culturais
das sociedades indígenas e que existiram diferentes grupos étnicos ao longo de
muitos milênios. Por isso é importante a preservação desses registros e de todo
seu entorno natural. O parque foi criado graças ao trabalho da arqueóloga Niède Guidon que hoje dirige a Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM),
instituição responsável pelo manejo e pesquisas do parque. Em 2012, estavam
cadastrados 1.028 sítios arqueológicos com pinturas rupestres. Mas esse número
aumenta anualmente com novas descobertas feitas pelos pesquisadores da FUMDHAM.
As datações variam muito. No sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada, por
exemplo, as pinturas datam de 29.860 anos, no mínimo. Em outros lugares elas
tem entre 18 mil e 6 mil anos. Os restos humanos mais antigos encontrados são
um esqueleto de uma mulher adulta de 9.670 anos. Em 1991, o parque foi
declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco e, em 1993, reconhecido
como patrimônio nacional. O Parque Nacional da Serra da Capivara é um museu a
céu aberto, um verdadeiro santuário cultural de épocas pré-históricas e a
preservação de seus sítios arqueológicos e de todo bioma da caatinga é
compromisso e orgulho de todo brasileiro.
Para Niède Guidon os grupos
humanos que viveram na região estiveram pelo menos há 40 mil anos atrás. Ela
baseia-se em achados de supostas fogueiras feitas pelos habitantes, plaquetas
de quartzito com manchas vermelhas caídas da parede que foram interpretadas
como vestígios de pinturas, além de supostos instrumentos lascados. Para ela
esses supostos primeiros povoadores teriam vindo navegando pelas ilhas do
pacífico.
A
maioria dos pesquisadores negam os achados da arqueóloga Niède Guidon da Serra
da Capivara pelos seguintes argumentos:
1º As
fogueiras e pedras são naturais e não fruto da ação humana;
2º Não foram
encontraram vestígios humanos tão antigos nas ilhas do Pacífico;
Apesar
dos estudos de Niède Guidon ser prestigiada na imprensa e nos livros didáticos
(distribuídos nas escolas), no meio científico internacional a teoria dela não
é plenamente aceita e, no Brasil, a maioria dos estudiosos também não considera
aceitável a antiguidade atribuída por essa estudiosa ao “homem da Pedra Furada”
(FUNARI; NOELLI, 2006).
A vida
dos primeiros habitantes do “Brasil”
Povos
caçadores e coletores
Os primeiros habitantes eram
nômades, ou seja, não possuíam habitação fixa e viviam mudando de lugar sempre
em busca de melhores condições de vida. Viviam em bandos e suas habitações eram
a céu aberto ou em abrigos sob rochas e, às vezes, em cavernas. Usavam ferramentas
de pedras que eram usadas nas caçadas. Os arqueólogos descobriram que faziam
anzóis de ossos de pequenos animais o que indica que também pescavam. No sul do
Brasil foram encontradas pontas de flechas feitas de pedras para caçar animais
mais ágeis, como pássaros.
O
uso do fogo foi importante para sobrevivência desses povos, pois serviam para
iluminar, proteção e assar carne. Eles caçavam pequenos animais, como veados e
emas. Dentre esses povos temos: as populações de Lagoa Santa, a Tradição Umbu,
Tradição Humaitá, os sambaquis.
1.
As
populações de Lagoa Santa
Em 1843 o dinamarquês Peter Lund
encontrou ossadas humanas com as de outros animais na região de Lagoa Santa,
Minas Gerais. Foi nessa região que a Luzia foi encontrada e como dito
anteriormente as características são semelhantes aos africanos e aborígenes
australianos.
Os esqueletos encontrados
permitem afirmar que essa população viveu entre 10 mil a.c e 8 mil a.c; era
baixo e magro e comia pequenos animais, frutos, peixes e caramujos grandes. Caçavam
porco do mato, tatus e roedores.
2.
Tradição
de Umbu ou povo da flecha
Viviam no sul e sudeste do Brasil, entre 12 mil até
1000 anos atrás, eram habilidosos em fazer instrumentos de pedra: facas de
corte afiado, anzóis e pontas de flechas. Foram eles que difundiram o uso do arco e flecha, bem como, da boleadeira (arma composta de três
bolas de pedra ligadas entre si por cordas de couro) que tornava possível a
caça de animais velozes, como veados e emas, por exemplo, e de pássaros em
pleno voo.
3.
Tradição
Humaítá
Grupos que habitavam os barrancos e terraços
próximos aos rios na região sudeste e sul. Viviam da coleta, caça e pesca. Seus
instrumentos de pedra eram bem maiores que os da tradição umbu, por exemplo,
machados bifaces e pedras com lascamento simples.
Sambaqui é um sítio arqueológico
muito comum no Brasil. É um depósito de restos de mariscos, ostras,
caranguejos, ossos de peixes e de mamíferos marinhos acumulados por populações
pré-históricas no litoral. São encontrados na costa do Rio de Janeiro ao Rio
Grande do Sul. A palavra é de origem tupi, tamba
(Marisco) e ki (amontoamento),
significando concha amontoada ou monte de conchas e que a população local
conhece como concheira, casqueiro, berbigueira ou ostreira. O formato dos
sambaquis pode ser cônico ou semiesférico, sua altura varia de menos de um
metro até 30 metros de altura, estendendo-se de 40 metros até 400 metros de
comprimento. Os sambaquis são fontes de informações sobre antigos grupos de
coletores e pescadores que viveram na costa brasileira entre 8 mil e 2 mil anos
antes do presente. Eram povos anteriores aos tupi-guaranis que ocuparam a
região mais tarde. Muitos sambaquis foram destruídos desde o período colonial
transformados em cal para a construção de engenhos de açúcar, do Palácio do Governador,
do Colégio da Bahia e outros edifícios. Cada comunidade construía os seus
sambaquis para atender finalidades específicas, como demarcação de território,
mirante, cemitério etc. Os mortos eram enfeitados com colares de conchas e
enterrados com objetos como pontas de osso, lâminas de machado de pedra. É
comum encontrar entre os esqueletos, dentes e vértebras de tubarões, macacos,
porcos-do-mato e outros animais. As covas eram preparadas e, muitas vezes,
forradas com argila, areia, corantes, palha e madeira. Há covas individuais e
coletivas, corpos estendidos e em posição fetal e, muitos cobertos com pigmento
vermelho. Foram encontrados nos sambaquis vários objetos utilizados pelos
moradores como raspadores de conchas, batedores de osso e facas de pedra. Em
meio ao material fossilizado há também, marcas de fogueira e potes de cerâmica
de tamanho e formato variados. Nos sambaquis do litoral de Santa Catarina,
foram descobertas estatuetas de pedra polida: são os zoólitos, figuras de
animais representadas de maneira estilizada representando em geral baleias,
peixes e pássaros. Os zoólitos são peças refinadas, de grande beleza. Alguns
deles têm uma cavidade rasa no centro da peça que pode ter servido para colocar
corantes ou alguma substância usada em rituais.
Sambaqui |
Agricultores e ceramistas
As datas prováveis propostas
pelos pesquisadores para o início da prática da agricultura no território do
atual Brasil variam entre 8 a 4 mil anos atrás. Neste território a mandioca foi
o primeiro vegetal a ser domesticado. Ao que tudo indica foi na Amazônia que a
agricultura originou-se na América do sul. Esta prática tornou as populações
sedentárias e com crescimento demográfico.
Com o desenvolvimento da
agricultura também desenvolve-se a cerâmica com criações de potes, vasilhas,
pilões e panelas. Isso ajudou no preparo de alimentos em panelas.
Na Amazônia existiram duas
principais culturas ceramistas: a marajoara
e a tapajônica.
Cultura Tapajônica |
A cultura tapajônica é composta
por vasos com figuras humanas e de animais bem modeladas e estilizadas. A
cultura marajoara utilizava diferentes cores em suas peças. A cerâmica
marajoara, ilha do Marajó, criada pelo povo que habitava a região por volta de
3,5 mil anos atrás possuía em suas cerâmicas sinais padronizados que
expressavam seus mitos.
Referências
ALVES, Alexandre; OLIVEIRA,
Letícia Fagundes. Conexões com a
história. 2.ed. São Paulo: Moderna, 2013.
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania. 6
ano. 2.ed. São Paulo: FTD, 2012.
FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI,
Francisco Silva. Pré-História do Brasil.
3.ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Repensando a História).
PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros: a
pré-história de nosso país. 2.ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2007.
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