Prof. Me. Bruno Rafael Machado Nascimento
Considerações iniciais
Muitos historiadores,
jornalistas, memorialistas e pessoas interessadas em conhecer o passado de
Macapá já se propuseram a realizar uma síntese sobre o porquê da criação da
vila de São José e outros aspectos do povoado. O objetivo deste texto é
apresentar para o leitor um estudo não necessariamente acadêmico, mas com
profundidade sobre o projeto de fundação da vila, os personagens, o cotidiano
dos colonizadores e indígenas, entre 1751 e 1758, ou seja, da chegada dos
primeiros açorianos até a oficialização de São José de Macapá, em 1758, como
uma vila.
Analisei
vários documentos, principalmente, as correspondências do governador do Estado
do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que teve papel
decisivo no povoamento do sítio de Macapá. Optei por expor diretamente as
fontes, mesmo correndo o risco de ser enfadonho, pois creio que o leitor poderá
visualizar e até imaginar o que está sendo narrado e explicado.
Macapá indígena
A atual capital do Estado do Amapá é mais indígena
do que a sua população tem consciência. A começar pelo topônimo Macapá que é de origem Tupi e deriva de Macapaba, ou seja, estância das macabas
(bacabas). Várias ruas e avenidas da cidade possuem nomes de povos indígenas ou
derivados das suas línguas. Com relação à vida dos ameríndios anterior à
chegada dos colonizadores europeus, há várias pesquisas desenvolvidas por
arqueólogos que mostram as sociedades em níveis diferentes de complexidade.
Comumente estes profissionais apontam tradições ou fases dos sítios
arqueológicos presentes no Amapá: Aruã, Maracá, Mazagão e Aristé que revelam
indícios e sinais dos primeiros habitantes destas paragens.
Macapá
fazia parte da chamada região do “Cabo do Norte” (cabo norte é um acidente
geográfico no litoral amapaense e que no período colonial servia de referência
aos navegadores). Ao menos desde o século XVII os europeus já designam o lugar
por Macapá. Como sabemos disso? Os documentos escritos e os mapas mostram. Isso
demonstra que o vocábulo não foi criado para a vila, mas já era utilizado há
muito tempo para identificar a região.
Também nas fontes designam
o que hoje é a cidade de Macapá de “lugar, terra e ilha dos Tucujus”, pois esse
povo era bastante numeroso na região. Infelizmente devido a violência da
colonização essa etnia foi dizimada. Os Tucujus mantinham relações comerciais e
de amizades com os franceses. Muitos deles se refugiaram na atual Guiana francesa,
mormente em missões jesuíticas na margem esquerda do Oiapoque no século XVIII.
Também os Aruã que eram acusados de possuírem alianças com os franceses
passavam pelo sítio de Macapá. Observe no mapa alguns povos que viveram no atual Amapá:
Indígenas que viveram no atual Amapá e
Guiana francesa
Fonte: NIMUENDAJÚ, Curt. Mapa etno-histórico e regiões adjacentes.
Brasília: IPHAN, IBGE, 2017. Adaptado.
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Caro leitor ou leitora, você pode se perguntar o que
aconteceu com todas essas populações. A maioria foi dizimada pela exploração e
doenças, e outras entraram em processo de fusão que possivelmente deu origem às
atuais que vivem no Estado. Os indígenas sempre resistiram e procuraram criar
táticas para sobreviverem. Foi comum alianças com franceses, portugueses e
holandeses para conseguir a autonomia possível. Caso emblemático foi a morte
pelos ameríndios de dois missionários jesuítas em 1687 na região acima do rio
Araguari. Outras vezes, fugiam para Caiena e até foram viver em missões dos
jesuítas em território considerado francês. O que isso nos diz hoje? Que
devemos reconhecer e valorizar nossas origens indígenas, bem como, combater
preconceitos contra estes povos.
O
desejo de proteger a fronteira
O Cabo do Norte e consequentemente Macapá sempre foi
visitada por ingleses, holandeses e franceses que negociavam produtos e gentes
com os indígenas. Ingleses e holandeses, por exemplo, chegaram a criar fortes e
feitorias na região. Por isso, os portugueses tiveram que com a ajuda de
ameríndios combater e expulsar aqueles que consideravam estrangeiros. Foram
vários os conflitos armados no Cabo do Norte até a expulsão e as assinaturas de
tratados com a França. Para tanto, no século XVII foram criados pelos
portugueses a casa forte no Araguari primeiramente em 1660 e depois foi
substituída por outra em 1688; e o forte de Santo Antônio de Macapá (no atual
igarapé da fortaleza). Observe a planta que o engenheiro Pedro de Azevedo
Carneiro fez para construir em 1688 a casa forte no rio Araguari com o intuito
de evitar a entrada dos franceses:
O forte ficava
localizado na margem esquerda do rio Bataboute ou Batabouto, afluente da margem
esquerda do rio Araguari. Devido o material utilizado, o abandono e a
localização teve breve existência até 1697 onde a pororoca o destruiu. O forte
de Santo Antônio de Macapá ou Cumaú foi construído em 1688 em cima do forte
Cumaú dos ingleses e teve sua planta traçada pelo engenheiro Pedro de Azevedo
Carneiro. Observe:
Já no século XVIII,
mais especificamente em 1738 os portugueses criaram um reduto com destacamento
militar em Macapá para fazer a proteção da região contra as investidas das
outras nações europeias, notadamente os franceses. Esta guarnição vivia de
forma precária e na década de 1750 o também chamado “presídio de Macapá” foi
caracterizado pelo Francisco Xavier de Mendonça Furtado como insuficiente para
cumprir as suas funções.
O projeto pombalino para Amazônia
Com a ascensão de D. José I ao trono português
(1750-1777) entra em cena o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e de
Guerra Sebastião José de Carvalho e Mello (marquês de Pombal). Pombal fez
várias ações em vários campos da administração portuguesa, as reformas
pombalinas, com o objetivo de modernizar a administração em busca da racionalidade
e eficiência.
Em relação à Amazônia
portuguesa, destaco a prioridade da proteção das fronteiras, assim como, a
busca pelo desenvolvimento econômico por meio da agricultura utilizando
africanos escravizados como principal força de trabalho. Os indígenas deveriam
se tornar súditos do rei, mas isso não significava deixar de ser explorados
(para compreender esta questão veja a lei de liberdade – 1755 e o diretório dos
índios – 1757). Livres e úteis ao reino, os ameríndios constituíam as “muralhas
dos sertões” onde trabalhavam, produziam, povoavam e ajudavam a garantir o
território para os lusitanos.
O escolhido para tentar
materializar o projeto pombalino para Amazônia foi o irmão do marquês de
Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Ele se tornou o governador do
Estado do Grão-Pará e Maranhão (compreendia a Amazônia e parte do nordeste)
entre 1751 e 1759. O governador não era meramente um cumpridor de ordens, mas
com a experiência na realidade amazônica decidia e criava ações que julgava
pertinentes. Mendonça Furtado está diretamente ligado com o desenvolvimento do
povoado e com a fundação da vila de São José de Macapá.
Um dos aspectos que
chama atenção nas ideias de Pombal foi a secularização, ou seja, diminuir o
poder temporal dos religiosos (tanto que em 1759 os jesuítas foram expulsos de
todo o reino). Na Amazônia o poder dos missionários e padres estava por toda
parte, sobretudo, no controle dos indígenas aldeados que eram a principal força
de trabalho. A ideia de “civilizar” ganhou força no século XVIII e umas das
manifestações dessa suposta civilização estava no desenvolvimento urbano, ou
seja, em vilas e cidades. Porém, não apenas a formação da urbe, mas também de
fortificações para garantir o território. Nas “terras do Cabo do Norte” (região
do atual Amapá) esta conjugação entre vila e fortificação esteve em “sintonia”
apesar do foco na militarização. Mas esta não é a questão deste texto. Vamos
focar no povoado de Macapá.
A vila de São José de Macapá
O desejo de urbanizar e “civilizar” deve ser
entendido como formas de controle das pessoas que viviam na Amazônia, bem como,
das fronteiras. Em outras palavras, as vilas que foram criadas atendiam também
a esses interesses. O então povoado de Macapá é um exemplo emblemático disso. Para transformar o sítio de Macapá em uma
próspera vila (ao menos na intenção) o governo português enviou “casais” de
açorianos para colonizar e povoar esta zona fronteiriça.
O
governador e Capitão-Geral do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, foi peça chave no transporte dos ilhéus para a nova povoação
de São José de Macapá. Coube a ele a árdua tarefa do translado que se tornou
mais difícil pela falta de recursos e indígenas.
Os "casais" açorianos que vieram para Amazônia
Quando se fala em açorianos é preciso ter clareza
que Açores é uma região composta por várias ilhas no oceano Atlântico que
pertencem a Portugal. Foram dessas ilhas que vieram os “casais” açorianos,
principalmente das ilhas Graciosa (a considerada mais pobre à época) e
Terceira. Essa migração ocorreu em três levas, a saber: 1751, 1752 e 1754
(VIEIRA JUNIOR, 2017). Por que vieram? A política de migração dos açorianos era
antiga e constantemente se recorria a ela para povoar determinadas regiões do império
português. Nos de 1748-1750 houve uma grande epidemia na Amazônia que atingiu
principalmente a força de trabalho mais importante: a indígena. Isso significa
que muitos morreram e foi necessário recorrer aos ilhéus para povoar.
A
necessidade de gente para povoar somada às crises de produção de cereais,
epidemias, secas, abalos sísmicos e vulcões no arquipélago de Açores formou a
conjuntura favorável. Os migrantes vieram, sobretudo, para defesa dos territórios.
Deveriam cultivar a terra para se fixarem e assim protegerem determinadas áreas
da Amazônia, como Macapá.
Apesar
de que em muitas ocasiões, para buscar alternativas de vida os próprios
açorianos pediram para se alistarem como migrantes, mas isso não foi uma regra.
Para o embarque da segunda leva em 1752 para o Grão-Pará e consequentemente
parte para Macapá houve dificuldades, pois ocorreram arrependimentos e fugas
(VIEIRA JUNIOR, 2017). A cota para virem ao Grão-Pará era de 1.000 pessoas, mas
as duas primeiras levas não foram suficientes. Os navios contratados para o
transporte, Nossa Senhora da Piedade e São Francisco de Paula, trouxeram em
1751 e em 1752 respectivamente 427 e 428 indivíduos exclusivamente da ilha
Graciosa (VIEIRA JUNIOR, 2017).
É
corriqueiro lermos ou escutarmos que os primeiros povoadores europeus do sítio
de Macapá foram “casais” açorianos. Alguns detalhes devem ser explicados, por
exemplo, que nem todos foram deslocados à Macapá. Muitos outros foram para as
vilas de Bragança e Ourém. Os açorianos eram brancos e trouxeram também as suas
crenças e manifestações religiosas. Para São José de Macapá eles levaram a
festa do Divino Espírito Santo que incorporou elementos das culturas dos negros
(murta, tambores, batuques etc). Dessa forma de mistura ou sincretismo surgiu o
Marabaixo que é uma festa do catolicismo popular (LOBATO, 2012).
Chama-se “casais”, pois
o núcleo em geral era o pai e mãe, mas não eram somente eles. “Casais”
significa o agrupamento familiar que podia variar. Em geral eram os pais,
filhos e outros agregados (genro, nora, viúva, netos). A Coroa portuguesa
preferia as relações de parentesco para facilitar a adaptação no novo lar. A
família ajudava nesse processo e por isso a proibição da emigração de indivíduos
isolados. No entanto, dadas as dificuldades no alistamento de pessoas dispostas
a migrar foi permitida a vinda de pessoas sem laços diretos de parentesco, os
fâmulos ou “companhias” (VIEIRA JUNIOR, 2017).
No
transporte de 1752 foram ao Pará 77 “casais” e apenas um não era composto por
marido e mulher. Era um homem com suas duas irmãs e duas “companhias”
masculinas. Sempre se buscou um equilíbrio entre a quantidade de homens e
mulheres para facilitar o povoamento, logo nessa política institucional de povoamento
a presença feminina foi marcante (VIEIRA JUNIOR, 2017).
Para
ficar mais claro, veja um exemplo do “casal” “68” embarcado em 1752. Neste
“casal” foi agregada a viúva Francisca de Jesus com os seus seis filhos.
Francisca não formava um “casal” específico, mas fora contada no “68”. Para
finalizar a questão dos “casais” darei mais um exemplo da viagem em 1752: o
“casal” “8” se resumiu ao marido e mulher, mas o “20” além do marido e mulher
foi composto por 5 filhos, um irmão do marido e mais 7 “companhias” (VIEIRA
JUNIOR, 2017). Apesar dessas diferenças, em geral na viagem de 1752 os “casais”
eram formados pelo núcleo familiar, ou seja, pais e filhos. Por fim, quando ler
ou ouvir falar dos “casais” açorianos que vieram povoar e viver em Macapá já
sabe o significado.
As
profissões dos açorianos embarcados para o Grão-Pará são variáveis:
“trabalhadores”, agricultores, alfaiates, barbeiros, carpinteiro, pedreiro,
estudantes, fiadeiras, costureiras, tecelãs. Certamente por isso após a chegada
dos primeiros povoadores em Macapá no final do ano de 1751 destacava-se a
produção de algodão (VIEIRA JUNIOR, 2017).
Famílias açorianas formaram o povoado de Macapá
Caro leitor, você já
tem conhecimento que os açorianos vindos para Macapá e outras vilas saíram
prioritariamente da ilha Graciosa. Outro ponto que teimo em repetir é que aqui
muito antes dos colonizadores viviam vários povos indígenas, principalmente os
Tucuju e Aruã.
O Cabo do Norte (atual
Amapá) esteve desde o início do reinado de D. José I no “olho do furação”, ou
seja, a preocupação era grande devido as investidas de franceses e holandeses
que comercializavam com os indígenas. O rei pediu a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado que enviasse missões religiosas com o intuito de garantir a
posse e povoar: “as Missões do cabo do
Norte, onde cuidareis em estabelecer não só povoações mas também logo alguma
defesa para fazer barreira desse Estado [...]” (Instruções régias, públicas e
secretas para Francisco Xavier de
Mendonça Furtado ..., 31 de maio de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 73).
Observe que havia necessidade não apenas de povoar, mas também defender
militarmente a região e por isso o rei pediu ao governador que verificasse como
deveria ser construída a fortificação na costa de Macapá, pois o pequeno reduto
que lá existia não oferecia condições de segurança. No trecho das instruções
percebe-se o que chamo de “tripé” da colonização: missões religiosas,
povoamento através de vilas e edificações de fortes ou fortalezas. Para o
povoamento a saída foi a organização da vila de São José de Macapá.
D. José I instrui o
governador do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado para
que ficasse atento e orientasse os povoadores açorianos que estavam a vir para
que eles se dedicassem: “ao trabalho e
cultura das terras, na forma que praticavam nas ilhas [...] evitando-se assim
uma ociosidade muito prejudicial” (Instruções régias, públicas e secretas para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado ..., 31 de maio de 1751. In: MENDONÇA, t.
I, 2005, p. 71). Neste mesmo documento indica-se que os açorianos não
poderiam se “distrair” com a tentativa de encontrar ouro ou diamante, mas focar
na agricultura e pecuária. Dessa forma, percebe-se que o objetivo da vinda dos
ilhéus era para produzir produtos agrícolas e trabalhar na criação de animais
(gado e vaca), assim, poderiam ser fixados no território e garantiriam o
povoamento da região.
Em 6 de outubro de
1751, Mendonça Furtado comenta sobre a chegada dos colonizadores e que pretende
enviá-los à Macapá: “em cujo sítio, se as
informações que me dão são verdadeiras, se poderá fazer uma povoação rica,
abundante, e sumamente interessante ao Estado” (Carta de Mendonça Furtado ao
seu pai, Francisco Luís da Cunha de Ataíde 6 de outubro de 1751. In: MENDONÇA,
t. I, 2005, p. 86). Nessa e em outras correspondências do governador é nítido o
sentimento de esperança que ele nutria pelo desenvolvimento do “sítio” de
Macapá que era a sua “menina dos olhos”. Acreditava que o povoado poderia
ajudar o Estado a sair da situação precária em que ele afirmava estar.
Os açorianos chegaram
ao porto de Belém em 29 de agosto de 1751, perfazendo o total 486 pessoas.
Mendonça Furtado informa ao rei que os da ilha Terceira vieram muitos idosos e
crianças, ou seja, não se esperava pessoas dessas faixas etárias para o
empreendimento que ele planejava. Precisava-se de adultos para poder trabalhar
e edificar a vila de São José de Macapá. Manter os ilhéus em Belém custava
muitos recursos que o Estado do Grão-Pará não dispunha. Os primeiros a
embarcarem à Macapá, com muita dificuldade, devido a falta de indígenas
remeiros saíram em 1º de novembro de 1751 e os últimos da primeira leva foram
embarcados em 25 de janeiro de 1752, porém ficaram alguns doentes na capital (Carta de Francisco Xavier de Mendonça
Furtado ao rei D. José I em de 25 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005
).
Em 19 de dezembro de
1751 ocorreu o segundo translado, partiram canoas levando açorianos para Macapá
no total de 68 pessoas e unindo com as que já estavam perfazia o total de 302, “fora soldados; ainda me restam perto de
200, que espero transportá-las até 15 de janeiro” (carta de Francisco Xavier de
Mendonça Furtado ao futuro secretário
de Estado, Tomé Joaquim da Costa Corte-Real em 19 de dezembro de 1751. In:
MENDONÇA, t. I, 2005, p. 175). Vale ressaltar que as condições desses
povoadores eram péssimas quando estavam em Belém aguardando o transporte, pois
o governo pouco ajudou. Mendonça Furtado afirma que eles vieram “sem botica ou remédio algum, e foi preciso
fazer-lhes uma pequena botica para levarem” (Carta de Francisco Xavier de
Mendonça Furtado ao marquês de Penalva em 20 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA,
t. I, 2005, p. 180). Isso demonstra que vieram dos Açores sem qualquer
estrutura ao ponto de que nem remédios possuíam.
As dificuldades que
encontrou no transporte dos povoadores para Macapá foram recorrentes nas
correspondências do governador. As causas foram a falta de recursos e “de canoas e remeiros” (carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao Secretário de Estado Pedro da Mota e Silva em 2 de dezembro de 1752.
In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 140-141). Os indígenas eram essenciais na
construção das canoas e principalmente para remar. Os “remeiros” além de
possuir esta habilidade sabiam os caminhos e os melhores locais por onde passar
a noite, descansar. Em geral pagavam eles com panos, farinha etc.
Em correspondência
anterior, Mendonça Furtado afirma que havia transportado para Macapá apenas 234
(das 486) pessoas em três expedições, pois “nem
tenho achado índios, nem canoas, nem modo algum de mandar esta gente tão
depressa como era razão que fosse” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça
Furtado a Gonçalo José da Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In:
MENDONÇA, t. I, 2005, p. 147). Ao
analisar a mesma carta percebe-se que não apenas os povoadores foram enviados,
mas também soldados. Os responsáveis por acompanhar os primeiros ilhéus à
Macapá foram o ajudante Manoel Pereira de Abreu e o padre Miguel Ângelo de
Morais.
Mendonça Furtado
orientou o ajudante para que ao chegar ao seu destino distribuísse farinha de
mandioca aos povoadores e “o primeiro
serviço em que deve empregar a maior parte da gente é em fazer Tujupares, em
que se recolhem não só os que agora vão mas os que sucessivamente hão de ir
chegando [...]”(carta escrita em 31 de Outubro de 1751. In: REIS, 1949, p. 55).
Isso significa que deveriam construir seus “Tujupares” que eram tendas ou
choupanas de palha, ou seja, habitações simples e os que fossem chegando também
deveriam seguir esta mesma recomendação. O governador afirmou que já havia
enviado alguns indígenas para assistirem com a pesca e caça aos moradores. Aos
colonos competia a tarefa de “roçar, e
plantar milho, e mais mantimentos de que possam colher fruto com brevidade [...]”(carta escrita em 31 de Outubro de
1751. In: REIS, 1949, p. 55).
O primeiro governante
enviado para organizar a vida no povoado foi o capitão-mor João Batista de
Oliveira. Mandou também o padre Miguel Ângelo de Morais para atender as
necessidades espirituais dos portugueses. Já havia enviado um “cirurgião” que
dirigiu-se à Mendonça Furtado com “lágrimas nos olhos”, pois não possuía
sapatos e pediu dinheiro para pagar uma pequena dívida, pois já estavam para
prendê-lo. Segundo o documento, a maior parte das pessoas que foram
transportadas na primeira leva eram “mulheres,
crianças e velhos. Homens de trabalho são os menos, por cuja razão era
impossível dividi-los” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo
José da Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 148).
Na
carta abaixo endereçada Gonçalo José da Silveira Preto, do Conselho Ultramarino,
o governador afirma que:
“Não
me pareceu que nada estava primeiro que povoar do que o Macapá, por que temos
por ali maus vizinhos, e com boas terras, conforme me dizem, e na ocasião
presente, sem meios, ou modo de transportar estas gentes para parte mais longe,
ali os vou aquartelando, e em saindo a Frota, se Deus me der saúde, vou logo fundar
a nova Povoação de São José, se S. Maj. For servido que assim se chame, e
depois declarar-me se quer que seja vila ou cidade, ou que fique em lugar
[...]” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo José da
Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005,
p.
148).
Percebe-se
a prioridade dada para o sítio de Macapá, pois havia receio de que os “maus
vizinhos”, isto é, os franceses que estavam em Caiena se estabelecessem na
região. Aqui, ele sugere o nome para nova povoação: São José em homenagem ao rei e ao seu santo patrono. Também fica na
espera se será uma vila, lugar ou até cidade. Os colonizadores enviados à
Macapá tiveram inicialmente uma boa impressão do lugar. Segundo Mendonça
Furtado, os remadores que levaram os primeiros povoadores ao retornarem
informaram que eles “estavam muito
contentes, porque a terra era boa, e que tinham visto uma grande abundância de
peixe e caça” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Gonçalo José da
Silveira Preto em 4 de dezembro de 1751. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p.
149).
Voltando
a questão de ser uma cidade ou vila, Francisco Xavier de Mendonça Furtado
preferia que fosse uma cidade, pois:
“com
o grande estabelecimento que tem podia S. Maj. Fazer cidade, porque de
primeiros povoadores há de perto de 600 pessoas brancas, certamente, sem
mescla, não as tem nenhuma deste Estado, e em poucos anos me persuado que há de
ser a mais florescente de todas [...]” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça
Furtado a Diogo de Mendonça em 25 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005,
p. 281).
Aqui
o sentimento de esperança em relação ao povoado de São José de Macapá
transparece por meio da frase: “há de ser a mais florescente de todas”. Também
a ideia de “civilizar” vem a tona, pois o governador faz referência a suposta
600 pessoas brancas que viviam em Macapá e que isso significa superioridade em
relação aos indígenas. O fato de serem brancos era um marcador importante para
aquela sociedade.
O
capitão-mor João Batista de Oliveira, primeiro administrador do povoado de São
José de Macapá, partiu para o lugar com as instruções daquele que lhe escolheu
para função, ou seja, Mendonça Furtado. Sua função seria conter:
“aqueles
novos moradores na paz, mas que também os persuada ao trabalho e cultura das
terras, não deixando precipitar esta gente no abominável vício da preguiça, nem
no outro igualmente pernicioso que é o do desprezo do trabalho manual [...]”
(Instrução que levou o capitão-mor João Batista de Oliveira quando foi
estabelecer a nova vila de S. José de Macapá em 18 de dezembro de 1751. In: p. 171).
Cabia
ao comandante de Macapá cuidar para que não houvesse qualquer forma de
insubordinação entre os moradores, eles deveriam focar na prática da
agricultara e evitar o “abominável vício da preguiça”. Como citado
anteriormente, a ideia era que os ilhéus produzissem e se fixassem em Macapá .
João de Oliveira deveria insistir para que os moradores não deixassem seus
trabalhos a cargo dos indígenas.
Nas
instruções dadas a João Batista de Oliveira, Mendonça Furtado pede para que os
colonos não abusem dos indígenas, pois na Amazônia o costume é de que apenas os
ameríndios trabalhem. Os açorianos deviam fazer uso somente dos nativos
destinados à caça e pesca. O comandante
recebeu orientações de iniciar as construções das habitações, ou seja, não
houve um planejamento para acolher, transportar e introduzir os ilhéus em
Macapá. Porém, além da caça e da pesca os indígenas com os seus trabalhos e
saberes foram indispensáveis também nas construções das casas dos novos moradores
que agora se intitulavam os donos do lugar.
Sobre
os indígenas, Mendonça Furtado assim se expressou:
“Quando
do ano passado mandei povoadores para o Macapá, mandei que das aldeias vizinhas
fossem para aquele sítio 60 índios para ajudarem aquela pobre gente a fazer
casas em que se deveriam recolher e pescar algum peixe para sua sustentação.
Em
pouco tempo fugiram 22, ou 23, e foram buscar as suas aldeias que eram a de
Tubarê e Guarimoçu [ou Mocu], e perguntando eu por eles quando ali cheguei, me
constou que os missionários não só não lhes não estranharam o fugirem do
serviço de S. Maj. mas, antes o estimaram muito , e os meteram no mato a tirar
drogas para sua Religião, onde se achavam no tempo que eu estive nas ditas
aldeias” (Carta de Mendonça Furtado a Sebastião José em 11 de novembro de 1752.
In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 378-379).
A exploração dos
trabalhos dos indígenas foi indispensável para a feitura da povoação, assim
como, para o sustento dos moradores açorianos que nada conheciam da Amazônia e
em quase tudo dependiam dos ameríndios. Porém, os indígenas não aceitavam
passivelmente as condições impostas pelos colonizadores. Conforme a carta
destinada ao marquês de Pombal mais de 20 fugiram e retornaram para missões
onde viviam aldeados. Esses indivíduos que fugiram de Macapá foram acobertados
pelos religiosos que os enviaram para coleta das drogas do sertão.
Outro
fator que não faltou nas instruções ao governante de Macapá foi o cuidado com
os franceses que desde o século XVII estavam estabelecidos em Caiena. Assim
Mendonça Furtado orientou:
“será
preciso que V. mercê proíba e vigie com todo o cuidado que por nenhum caso ou
acontecimento que haja possam ter os ditos povoadores comunicação com a dita
Praça [Caiena]; e ao que transgredir esta ordem prenderá V. mercê logo e mo remeterá
a esta cidade para castigar exemplarissimamente, na conformidade das leis de S.
Majestade” (Instrução que levou o capitão-mor João Batista de Oliveira quando
foi estabelecer a nova vila de S. José de Macapá, 18 de dezembro de 1751. In:
MENDONÇA, t. I, 2005, p. 172-173).
Desde o século XVII que
os franceses vinham ao Cabo do Norte para comercializar com os indígenas. Além
disso, estava viva na memória a invasão deles ao forte de Santo Antônio de
Macapá em 1697. Apesar do tratado de Utrecht (1713) ter estabelecido que a
fronteira fosse o rio Vicente Pinson ou Oiapoque, na prática os franceses nunca
respeitaram. A proteção contra os estrangeiros foi um dos motivos que levaram a
criação da vila de Macapá.
A preocupação em
relação ao povoado de São José de Macapá não era apenas a necessidade de povoar
e desenvolver a região, mas também de proteger o território. Em carta
endereçada a Diogo de Mendonça Corte-Real datada de 9 de janeiro de 1752, Mendonça Furtado pede um oficial engenheiro
para edificar e reedificar as diversas fortalezas da região. Em relação à
Macapá ele escreve: “e seria sumamente
precisa a vinda deste oficial para o desenho da Fortaleza do Macapá, a qual
hoje não passa de um pequeno terrapleno, sem outro material que a mesma terra,
na forma que me dizem” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Diogo
de Mendonça Corte-Real em 9 de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p.
234). Havia um pequeno reduto desde 1738 que não oferecia segurança e por
isso a necessidade de outra fortificação. Em outra carta, ele afirma que Macapá
é a “chave das Amazonas” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça
Furtado ao Bispo Dom Miguel de Bulhões em 3 de outubro de 1755. In: MENDONÇA,
t. II, 2005, p. 286)
e por isso a necessidade de proteção.
A vida dos
colonizadores em Macapá não foi fácil, pois enfrentaram dificuldades em se
adaptarem com o novo lar que era muito diferente de onde haviam vivido. Tanto
que pediram ao governador um “cirurgião” para tratar dos enfermos. Mendonça
Furtado enviou o “cirurgião” e depois remédios para tentar curar os
necessitados. Prometeu que enviaria vacas, éguas e farinhas para os moradores.
Havia no início de 1752, 456 açorianos sem contar soldados e indígenas. O
governador escreveu ao rei D. José I que logo iria visitar Macapá para:
“repartir
as terras pelos moradores, na forma que V. Maj. Manda, e a dar todas as
providências que me parecem precisas para o aumento da terra, e também para a
defesa de qualquer invasão que intentem os franceses, sem embargo que essa será
mais dificultosa, porque não temos naquele sítio mais que um pequeno conduto
[reduto?] com o nome de Presídio de Macapá, o qual é fabricado de terra e sem
defesa alguma” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao rei em de 25
de janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005, p. 280).
Sempre
a preocupação com os franceses transparece nas correspondências e a necessidade
de fortificar, pois o “presídio de Macapá” não oferecia condições de defesa.
Mendonça Furtado para cumprir a promessa de visitar o novo povoado saiu de
Belém no dia 24 de fevereiro de 1752 chegou em 6 de março e permaneceu até o
primeiro dia do mês seguinte (Carta de Francisco
Xavier de Mendonça Furtado ao desembargador João da Cruz Diniz Pinheiro em 6 de novembro de 1752. In: MENDONÇA,
t. I, 2005).
O
governador foi sabendo das condições difíceis em que se encontravam os
moradores de Macapá, soube que uma epidemia se alastrava no povoado e por isso
levou um médico para cuidar dos enfermos. Em sua chegada, no início de março,
ele descreveu o que observou: “Nella
achey bastantes enfermos com Diarreas de sangue, e febres as quais o Médico
remediou com felicidade havendo-se comos enfermos com sua caridade, zelo e
cuidado” (Carta de 1º de novembro de 1752. In: REIS, 1949, p. 60). Muitos
doentes com “diarreas de sangue” e “febres” foram tratados pelo médico que ele
tinha levado.
Mendonça Furtado pediu
galinhas aos missionários das aldeias da redondeza para tratar dos enfermos, no
entanto, foram insuficientes e por isso pediu ao missionário da aldeia de
Arassatuba que enviasse mantimentos. Em poucos dias veio:
“o
Principal daquela Aldeia com hua canoa com tartarugas, milho e alguas miudezas
mais, que tudo se lhe pagou pontualmente por preço bem fora do uso destas
terras porque velhos e não paga aos Indios nada pelo seu justo valor” (Carta de
1º de novembro de 1752. In: REIS, 1949, p. 61).
Os
“principais” eram como os portugueses designavam os líderes indígenas e a
aliança com eles foi fundamental para o avanço da colonização. O principal da
aldeia de Arassatuba levou milho, tartaruga e algumas miudezas e recebeu por
isso o seu pagamento.
O
governador julgou que o povoado estava bem situado e as condições eram
favoráveis para o desenvolvimento. Ele orientou mais uma vez que o rei fizesse
uma fortificação para proteger a região e os moradores. Mendonça Furtado ao
analisar o sítio de Macapá mandou abrir uma vala para que as águas de um lago
descesse para o rio, assim como, abrigar canoas que aportavam. Para abrir
clareira com o intuito de construir habitações e plantações ele mandou pessoas
roçarem uma área de mato (Carta de 1º de
novembro de 1752. In: REIS, 1949).
Os indícios de como foi a vida no povoado de Macapá
Não encontrei muitas
fontes que descrevessem diretamente o cotidiano de Macapá no início dos anos 50
do século XVIII, mas das que analisei é possível perceber o que fizeram. O
administrador de Macapá, João Batista de Oliveira, logo nos primeiros dias da
chegada dos açorianos escreveu a Francisco Xavier de Mendonça Furtado onde
afirmou que “Desta povoação donde tem
plantado alguns legumes, milho e frutas”, ou seja, focaram no trabalho da
agricultura, mas afirma não ter mais sementes. Comunicou que cada morador
estava “limpando o seu pedaço e
plantando”. Reclamou do aparecimento de doenças: “diarreias de sangue”. Faltava alimentação aos doentes e até 10
pessoas idosas chegaram a falecer. Assevera que os indígenas também estão
sofrendo e “tem morrido alguns e vão
fugindo outros”. Afirma que estão construindo os “tijopares e as casas”. Relata a chegada de ferramentas e de um
sargento que trouxe 12 indígenas para cortar madeira (Carta de João Baptista de Oliveira a Francisco Xavier de Mendonça
Furtado em 31 de Janeiro de 1752. In: MENDONÇA, t. I, 2005).
No
início enfrentaram as dificuldades devido a não adaptação à região, doenças,
mortes. Chamo atenção para a importância das populações indígenas na construção
do povoado de São José de Macapá. Quem ajudava nos roçados? Quem ia buscar e cortar
madeiras? Quem construía os “tijopares”? Certamente os nativos. Mas, não se
permitiam ser facilmente explorados pelos moradores açorianos e muitos fugiam
para as missões de onde viviam ou em busca de outros horizontes em aldeias.
Infelizmente tanto a historiografia tradicional quanto a população não percebeu
estes sujeitos como construtores de Macapá.
Abaixo a imagem da primeira página
da carta de João de Oliveira à Mendonça Furtado. Consegue ler?
Trecho da carta de João
de Oliveira à Mendonça Furtado (1752)
Fonte: Carta de João Baptista de Oliveira para
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, relacionada com assuntos da Povoação de
São José de Macapá, no Rio Amazonas]. - São José de Macapá 31 de Janeiro
de 1752. Disponível em: http://purl.pt/28384#dcId=1580350395569&p=20
|
Nesta outra carta o administrador de Macapá relata
fugas dos indígenas:
Trecho da carta de João de Oliveira à Mendonça
Furtado (1752)
Fonte: Carta de João Baptista de Oliveira a
Francisco Xavier de Mendonça Furtado relatando as novidades mais importantes da
Fortaleza de São José de Macapá no Rio Amazonas, com referências ao Pará]. -
São José de Macapá (Rio Amazonas) 20 de Fevereiro de 1752. Disponível em: http://purl.pt/28390#dcId=1580386423518&p=15
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Com cerca de um ano da chegada dos primeiros
colonizadores para formar Macapá, eles ainda não conheciam o regime de chuvas e
marés e tiveram que se adaptar. Alguns tentaram roçar, mas as chuvas impediram
a continuidade. Depois fizeram a segunda roça, mas o longo período de estiagem
fez com que as plantações de milhos e feijões não obtivessem o resultado
esperado (Carta de 1º de novembro de
1752. In: REIS, 1949). Na carta ao rei D. José I, percebe-se que os
açorianos estavam experimentando o que podiam plantar. Os trabalhadores
plantaram nabo, tabaco, algodão. O governador mandou buscar semente de urucum
para serem plantadas e percebeu que na pequena aldeia dos indígenas que viviam
por ali já havia o cultivo de milho, arroz e feijão. Porém, um problema
devastava as plantações de mandioca e outros produtos: as formigas que eram
verdadeiras inimigas dos colonizadores.
Com
o trabalho dos indígenas e dos moradores de Macapá produzia-se arroz no
povoado. Vejamos o elogio que Francisco Xavier de Mendonça Furtado faz em 1757:
“O
arroz se dá excelentemente nestes países, principalmente nas terras contíguas a
Nova Vila de São José do Macapá, do qual remeto a V. Me. uma amostra para o
mandarem beneficiar, e quando chegou a frota o estava eu comendo, e não achei
diferença alguma não só no da Carolina, mas nem ainda do de Veneza; se a V.
Mcês. parecer, também darei todas as providências por que a cultura deste gênero seja o
principal objeto daqueles povos, que na verdade é um ramo importantíssimo para
o nosso Comércio” (Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado aos diretores
gerais da Companhia de Comércio em 15 de novembro de 1757. In: MENDONÇA, t.
III, 2005, p, 371).
Dessa forma, além da
produção de milho, farinha, feijão o foco de trabalho dos moradores de Macapá
foi o arroz que chegou a ser vendido para Belém e até para Lisboa.
Do final de 1752 até
1757 o ouvidor João da Cruz Diniz Pinheiro foi para Macapá onde se destacou na
organização da comunidade, pois passou a ser o novo administrador do povoado.
Supostamente fez as primeiras plantas da vila, assim como, de punho próprio com
a pouca ajuda fez a obra na igreja. A
partir de 1757, o sargento-mor engenheiro Tomás Rodrigues da Costa foi o
administrador do povoado. Vejamos as referidas plantas com os nomes dos
“cabeças” das famílias e os locais onde veriam morar:
Mapa
da Povoação antiga de Macapá (1754)
Planta da nova povoação que se há de
fazer (1754)
A
oficialização da vila de São José de Macapá
Francisco Xavier de Mendonça Furtado chegou em 1º de
fevereiro de 1758 para elevação da vila de São José de Macapá que ocorreu no
dia 4 do mesmo mês. No dia 8 escreveu ao
bispo do Pará:
“Logo
depois que cheguei fui ver o estabelecimento da nova vila e fiquei inteiramente
satisfeito porque além de se achar muito adiantada tem duas praças de mais 800
palmos de comprido e de 700 de largo, na primeira das quaes esta a parochia na
segunda lhe levantey o poleirinho, como desejara que V. Excia viesse a esta
vila para a abençoar e desta sorte receber a sua última felicidade” (Carta de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao bispo do Pará em 8 de fevereiro de
1758. In: ARAUJO, 1998, p. 157).
Segundo Arthur
Vianna:
“Quando
em princípios de 1758, partiu novamente o governador para o Rio Negro, a
encontrar-se com o plenipotenciário e primeiro comissário castelhano das
demarcações, esteve de passagem em Macapá e ai assistiu, no dia 4 de fevereiro
a cerimônia da elevação da povoação à categoria de vila, com o nome de São José
de Macapá.
Presidiu
e dirigiu o ato de levantamento do pelourinho, na praça de São Sebastião, o
ouvidor geral e corregedor Paschoal de Abranches Madeira Fernando”. (VIANNA,
1905, p. 282).
Ao
novo administrador da vila de São José de Macapá, Mendonça Furtado deixou
instruções para que cuidasse da construção da igreja, depois a casa da câmara e
a casa do pároco. Com relação às casas não era permitido aos moradores mudanças
por fora, mas apenas na parte interna. Pede que troquem palhas pelas telhas e
que criou uma olaria para este fim (Instrução
de Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 12 de fevereiro de 1758 ao
sargento-mor Tomás Rodrigues da Costa, In: ARAUJO, 1998,, p.158).
A
vila foi crescendo e foi necessário remodelá-la segundo os interesses
metropolitanos. Em 1761, o engenheiro alemão Gaspar João Geraldo de Gronsfelde
que vivia em Macapá há alguns anos projetou uma nova planta que contém aspectos
interessantes.
Há
toda a divisão em lotes para os moradores, o forte de faxina indicado pela
letra “c” esta fortificação foi planejada pelo engenheiro Gronsfelde em 1761 e
já se sabia ser provisório e foi construído para defender apenas em caso de
necessidade extrema, pois sua estrutura era muito limitada. Questão que foi
resolvida com a fortaleza de São José de Macapá.
Chama
atenção o tamanho e a presença das duas praças na vila, algo não tão comum na
América portuguesa (Brasil). Uma foi chamada de São Sebastião (letra M) em
homenagem ao marquês de Pombal que ficava de frente com a igreja dedicada à São
José (letra A) e a outra foi intitulada de São João (letra N) em homenagem ao
rei D. João (ARAÚJO, 1998). Nesta última foi instalado o pelourinho (letra B)
como símbolo da liberdade municipal e para punições aos escravizados que
cometessem crimes.
A
planta indica onde ficava o açougue, quartel, porto, casa do vigário, casa da
câmara, casa do comandante. Até os nomes das ruas e travessas são indicados,
por exemplo, a rua que passava em frente a igreja era chamada de São José (como
hoje). Percebe-se um gigantesco lago que por vezes dificultava a vida dos moradores (lembre que até hoje o centro da cidade alaga. Entendeu o porquê?). Para poder visualizar melhor a planta, clique no link e você poderá
aumentar o zoom.
Planta da vila de São José de Macapá feita pelo
capitão engenheiro Gaspar João Geraldo de Gronsfelde (1761)
Considerações
finais
A
ideia inicial era escrever um texto curto e mais didático, ou seja, menos
enfadonho. Mas no decorrer da escrita as ideias foram fluindo e percebi que o
leitor ou leitora merecia algo mais completo. Infelizmente produzi quase um
“TCC” (risos). Não consegui escapar de um estilo relativamente acadêmico, a
despeito das tentativas de fuga. Tentei, mas não fui feliz. Não obstante, estou
satisfeito de oferecer aos macapaenses de alma e coração uma visão mais
ampliada sobre os inícios do sítio, povoado até a oficialização da vila de São
José de Macapá. Desculpem pelos erros, pois fiz em três noites consecutivas, ou
seja, às pressas.
Gostaria
de destacar alguns pontos, a saber: a anterioridade e a importância dos
indígenas na construção do povoado e da vila de São José de Macapá. Outra
questão foi o temor que se tinha da possível invasão dos franceses no Cabo do
Norte e por isso a necessidade de fortificações desde o século XVII.
Macapá
foi povoada por “casais” de açorianos, sobretudo, da ilha Graciosa que enfrentaram
muitas dificuldades em seus novos lares. A vila foi fundada em um lugar
estratégico, ou seja, na foz do rio Amazonas por onde estrangeiros poderiam
entrar. Seus objetivos foram garantir a posse para Portugal, a presença dos
ilhéus teve um quê de necessidade de “civilizar” as gentes que viviam na
região, os moradores deveriam trabalhar na agricultura e pecuária para se
fixarem e produzirem, sobretudo, o algodão e depois o arroz, isto é, buscaram
materializar nesta vila um projeto econômico.
Referências
ARAUJO, Renata Malcher de. As cidades da Amazónia no século XVIII:
Belém, Macapá e Mazagão. 2. ed. Porto: Faculdade de Arquitectura da
universidade do Porto, 1998.
LOBATO, Sidney. Amapá: experiências fronteiriças. Belém: Editora Estudos
Amazônicos, 2012.
MENDONÇA, Marcos Carneiro de Mendonça. A Amazônia na era pombalina:
correspondência do governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e
Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 1751-1759. 2. ed. Brasília:
Senado Federal, 2005. Tomos I, II e III.
REIS, Arthur Cézar Ferreira. Território do Amapá: perfil histórico.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1949.
VIANNA, Arthur. As fortificações na
Amazônia. In: Anais da Biblioteca Pública do Pará. Tomo. IV. Belém: Instituto
Lauro Sodré, 1905. p. 227-302.
VIEIRA JÚNIOR, Antonio Otaviano.
Migração Açoriana na Amazônia: conexões entre ilha Graciosa, Lisboa e
Grão-Pará. Revista Territórios e
Fronteiras, Cuiabá, v. 10, n. 2, p. 342-367, ago./dez. 2017.