Inácio de Loyla |
Iñigo
Lopez de Oñaz y Loyola nasceu e viveu em contexto marcado por transformações
políticas, econômicas, religiosas e mentais. Veio ao mundo em 1491, momento em
que “Erasmo tem vinte e cinco anos, Maquiavel vinte e dois, Copérnico dezoito,
Miguel Ângelo dezesseis, Thomas More onze – e Lutero exatamente a idade dita
‘da razão’” (LACOUTURE, 1994, p.10). Também é nesse período que Colombo abre as
possibilidades da chamada América para os soberanos espanhóis. Eram tempos impactantes
por suas descobertas e possibilidades em várias áreas do conhecimento e da
vida. Para o francês Jean Lacouture (1994) o que marcou esse momento foi a
repulsa às tradições medievais e a devotada busca da modernidade. Assim, ele
define essa repulsa como:
Aquilo que o
prende à Idade Média, fideísmo amedrontado, cavalaria rixosa, clanismo feudal,
cederá pouco a pouco sob o impulso de forças internas e externas: a busca do
conhecimento, a consciência da liberdade, a avidez da conquista do mundo – e
finalmente, mas não sem reservas, refluxos e recuos, um humanismo planetário
(LACOUTURE, 1994, p.11).
De
maneira significativa a Espanha sob o governo, dos reis “católicos” Ferdinando
(Frenando) e Isabel, notadamente, Castela vive um tempo de estabilidade
proporcionado pelo “ouro das Índias” o que a tornará uma força na Europa.
Contudo, em Navarra e Guipúzcoa que estão mais estritamente associadas com a história
do futuro fundador da Companhia de Jesus ocorrem conflitos entre os clãs
(LACOUTURE, 1994).
Nascido
em Azpeitia cuja família estava atrelada ao poder e às benesses disso. Ele foi o décimo terceiro filho de Beltran e
Marina de Loyola e “foi batizado com o nome basco de Eneko, traduzido por Iñigo
em castelhano” (LACOUTURE, 1994, p. 16). Fato interessante foi que somente em
Paris e ao terminar o curso de artes que ele escolheu o nome de Inácio (LACOUTURE,
1994). Sabe-se que aos dezesseis anos de idade tornou-se uma espécie de
secretário em Arévola e foi justamente nessa localidade que ele desenvolveu a
habilidade da escrita. Habilidade essa que influenciou toda sua vida, bem como,
a da ordem fundada por ele. Segundo Jean Lacouture (1994) em sua juventude
desfrutava de uma vida boêmia regada à diversas confusões tanto que em 1515 o
futuro fundador foi detido por algum crime. Muito provavelmente por sua alta
linhagem escapou sem qualquer punição.
Devido
a mudanças políticas com a morte do rei Ferdinando (Fernando) o futuro jesuíta
é obrigado a partir para Pamplona, metrópole de Navarra. Aqui se transformou em
escudeiro, pois era fidalgo e de uma família de soldados seu destino naquela
sociedade guerreira parecia está traçado. Nesta região participou da
resistência contra o ataque dos franceses em que acaba ferido nas duas pernas.
Segundo John O’Malley (2004) uma bala de canhão explodiu e o deixou gravemente
machucado nas suas pernas. Foi operado, contudo estava a beira da morte e
implorou a intercessão de São Pedro e melhorou o que mais tarde veio a atribuir
a intervenção desse santo no seu repentino restabelecimento. Entretanto, ficou
com a perna direita vários centímetros mais curta (LACOUTURE, 1994).
Enquanto
recuperava-se no Castelo de Loyola, sem ter em mãos os contos cavalheirescos
que tanto adorava, voltou-se à leitura da vida de Jesus e dos santos. Leu a Vida de Cristo de Ludolfo da Saxônia e
sobre os santos deleitou-se da Fábula
Dourada, escrita por Jacopo da Voragine (O’MALLEY, 2004; WRIGHT, 2006). Diante
disso ele teve uma “visitação espiritual” e resolveu viajar à Jerusalém. Para Jonathan Wright (2006) essa literatura
religiosa o fez identificar que havia algo invejoso na história dos santos,
“uma espécie de cavalaria espiritual, e decidiu seguir o exemplo” (WRIGHT,
2006, p. 25). A partir daí sua vida tomará novos rumos, porém suas pernas ainda
estavam em processo de cicatrização e isso o impossibilita. Impedido da viagem
passa as horas colocando sua habilidade em ação, mas qual habilidade? A de
escrever sobre Jesus e Maria (LACOUTURE, 1994). Não é fácil contar a história
de conversão de uma pessoa, narrá-la com suposta objetividade é uma pretensão.
O fato é que mesmo ainda em recuperação deseja renunciar ao “mundo” e
dedicar-se à vida religiosa. Nas palavras de Jean Lacouture (1994, p. 25)
“decidiu trocar uma cavalaria por outra, o amor cortês pelo amor de Deus e os
copiosos benefícios do feudalismo pelo despojamento nos caminhos de Jerusalém”.
Uma mudança de vida profunda que determinará, inclusive, os rumos da história.
Torna-se um peregrino e quer dedicar-se inteiramente às coisas de Deus.
Conversa com um monge e lhe confessa as suas intenções de despojamento total,
abstinência, castidade e peregrinação à Terra Santa. E em 1522 diante da imagem
de Maria faz seus votos particulares o que simboliza eticamente a mudança para
um homem novo.
Ficou
cerca de dez meses em Manresa e foi nessa cidade que obteve várias experiências
espirituais. Aqui vivera como mendigo
pedindo esmolas todos os dias. Não comia carne e tampouco bebia vinho. Era uma
vida de total despojamento em que vivia numa gruta. Os cabelos e as unhas
cresceram de forma descomunal (WRIGHT, 2006). Tinha visões espirituais seja com
Deus e seus auxiliares ou com o demônio. Seria um louco? Devido suas
extravagâncias muitos o acusavam. Vivia
tendo êxtases espirituais, moções interiores, perturbações (LACOUTURE, 1994).
John O’Malley (2004) afirma que ele desenvolveu atitudes austeras como, por
exemplo, abstinências e autoflagelações. Por incrível que pareça é neste
contexto que ele escreve o conhecido Exercícios
Espirituais. Para Loyola essa obra foi inspirada por Deus para o
crescimento das “almas”. O diferencial desse escrito é que ele transparece as
experiências vividas pelo próprio autor. “O retiro em ação com a duração de
quatro semanas, que ele propõe ao seu próximo, foi vivido por ele ao longo de
onze meses, os primeiros numa longa e dolorosa alucinação” (LACOUTURE, 1994, p.
32). Os Exercícios Espirituais
atualmente são realizados por milhares de pessoas em todo o planeta. Muito se
especulou sobre as possíveis influências sofridas por Loyola ao escrevê-lo.
Para Jean Lacoutre (1994) duas são evidentes: a Imitação de Cristo atribuída à Thomas Kempis a qual tornou-se
devoto a vida toda e o Exercitario de
Garcia Cisneros. Para John O’ Malley (2004) esse manual foi usado por ele como
instrumento motivador dos seus primeiros discípulos e o indicou como
“experiência a ser vivida para todos os que entrassem mais tarde na Companhia”
(O’MALLEY, 2004, p.20). É este documento que mostra aos jesuítas quem eles
deveriam ser (O’MALLEY, 2004). Esse escrito de Loyola obteve a aprovação papal
em 1548.
O
“mendigo” de Deus precisa sair de Manresa com a intenção de chegar à sua meta,
isto é, a cidade de Jerusalém. Ficou curado devido a ajuda de diversas pessoas
e precisa ir à Barcelona e depois partir à Itália com o intuito de pedir
autorização papal para chegar ao seu destino final (LACOUTURE, 1994). De
Barcelona enfrenta algumas aventuras até chegar a Roma, de lá viajou a pé de
aldeia em aldeia até chegar em Veneza onde adoece e é tratado. O médico lhe
permite a viagem e parte de navio até a ilha de Chipre de onde sai e chega em
Jerusalém. Pensava ele ficar por um longo tempo nessa cidade para visitar os
lugares considerados santos pelos cristãos. Encontrou os padres da ordem dos
capuchinhos que devido a instabilidade da região o obrigaram a abandonar a
Terra Santa. Permaneceu três semanas em Jerusalém no mês de setembro de 1523.
Ao embarcar na viagem de volta é preso em Lombardia pelos espanhóis como um
suposto espião francês, mas acaba sendo solto. De volta à Veneza sente uma
inclinação para os estudos (LACOUTRE, 1994). Eis um ponto importante que
marcará indelevelmente os futuros jesuítas. A busca pelo saber para o bem das
almas. Assim resume Jean Lacouture (1994, 37) a vida de Iñigo “cavaleiro se
torna ermitão. O ermitão, peregrino. O peregrino não terá descanso enquanto não
se tornar doutor. E o doutor enviará seus discípulos para informar o mundo e se
informar sobre o mundo”.
Percebe-se
que a partir da sua conversão à vida religiosa e sua opção ao despojamento
total da sua condição social Loyola enfrenta diversas dificuldades, mas também
experiências interiores que acredita serem inspirações divinas. Jean Lacouture
(1994, p. 37) descreve a sua vida:
Rompeu com a
“glória vã” das armas, da galanteria e da corte. Flagelou-se, enclausurou-se
numa gruta como um animal selvagem, cavalgou, percorreu estradas coxeando,
navegou, tremeu nas mãos dos infiéis, mendigou por todos os caminhos, tiritou
sob os pórticos e as muralhas das cidades, escapou fazendo-se passar por um
idiota nas garras dos soldados. A esta altura, quaisquer que sejam as provações
às quais submeterá o corpo, e por mais intensas que possam ser as “moções” de
sua alma, dominadoras as exigências de sua fé e imperiosos os impulsos de sua
caridade, o vagabundo do calção bufante, que a Terra Santa não quis, cuidará de
alimentar o intelecto.
Agora sua meta
será buscar formação intelectual. Parece ser uma virada radical, ou seja,
aquele que vivia de forma literal a sua fé enveredar-se-á para os caminhos dos
estudos. Decisão importante que determinará o estilo da futura Sociedade de
Jesus fundada por Inácio de Loyola. Ele buscará Barcelona por percebê-la como
centro das ciências e artes. Contudo, até 1533 esta cidade não teve
universidade, mas somente escolas. Iñigo enganou-se, mas buscou um mestre que
fornecesse conhecimento em latim e gramática (LACOUTURE, 1994). Conseguiu o
mestre chamado Jeronimo Ardevol no qual Loyola tornou-se seu aluno durante dois
anos. Seu mestre o julgou apto a prosseguir seus estudos na universidade de
Alcalá de Henares. Em 1527 chega a essa cidade marcada por uma efervescência
religiosa carismática, pelo humanismo e pela tentativa de controle por parte da
Igreja. Nesta cidade o agora peregrino e estudante continuará a pedir esmolas e
pregar pelas ruas, aqui já irá constituir seguidores e atrair numerosas pessoas
pela sua pregação.
Iñigo foi
investigado pela inquisição espanhola, pois se desconfiava que ele fosse um alumbrado (iluminado). Para Jean Lacouture
(1994) o movimento dos alumbrados ou
iluminados surge no meio popular devido a falta de resposta para suprir a
expectativa da fé pela instituição religiosa, bem como, o mau comportamento do
clero. Era um movimento carismático que valorizava a experiência pessoal e que
muitas vezes negava a eficácia dos sacramentos oferecidos pela instituição
católica. Caracterizava-se por uma espiritualidade individualista e espontânea.
Desconfiava-se que esse movimento havia sido impregnado pelo calvinismo e que,
portanto, poderia ser uma heresia. No inquérito, muitos familiares e amigas de
Iñigo foram ouvidos e a conclusão que se chegou foi que ele não era herege. O
peregrino entra em Salamanca onde tem a passagem marcada por humilhações e
dissabores. Também nessa cidade os padres dominicanos o prenderam e o
interrogam sobre a sua pregação, que estudos ele possuía, se lia Erasmo. Após
vinte e dois dias detido é solto e autorizado a ensinar o catecismo, mas é
orientado a estudar para aprofundar a doutrina (LACOUTURE, 1994). Ele percebeu
ainda mais a necessidade do estudo e por isso resolveu ir à Paris buscar
conhecimento. Mas, por que Paris? No século XVI a universidade dessa cidade
possuía a melhor faculdade de Teologia e em 1528 ele parte à cidade luz.
Foi justamente
essa necessidade de estudos literários e científicos que os primeiros membros
da Companhia de Jesus foram buscar numa Paris marcada pelo humanismo e o renascimento.
Essa cidade era a capital intelectual do Ocidente. Foi nessa cidade tão cara
aos futuros jesuítas que Iñigo atraiu seus seis primeiros discípulos
aplicando-os os Exercícios Espirituais.
Eram todos estudantes de Teologia da universidade de Paris. Para Jean Lacouture
(1994) os seis primeiros homens que se uniram ao depois chamado Inácio de
Loyola e professaram os votos em 15 de agosto de 1534, numa igreja junto ao
monte Montmarte, eram o que se pode chamar de “intelectuais” formados nesse
caldeirão humanista. Muitos autores defendem que é nesse acontecimento em que
os primeiro grupo professou seus votos que teve origem a Companhia de Jesus.
Contudo, o reconhecimento oficial só se daria seis anos mais tarde, “já que
ainda não havia um desejo explícito de criar uma nova ordem religiosa, mas este
pode ser considerado, sem dúvida, um momento inaugural” (WRIGHT, 2006, p. 30).
Apesar dos
primeiros discípulos de Loyola estudarem num ambiente marcado pelo humanismo e
renascimento parisiense, afirmar que os jesuítas surgiram como um ramo do
humanismo não condiz com a realidade. “Nem poderíamos atribuir a iniciativa de
Loyola e de seus companheiros à influência de Erasmo, embora os inquisidores de
Alcalá e de Salamanca quisessem buscar obstinadamente nos passos do vagabundo
Iñigo a inspiração do mestre de Rotterdam (LACOUTURE, 1994, p.51). Essa questão
da influência do humanismo na Companhia, sobretudo, com Erasmo de Rotterdam
gera um grande debate, contudo, vários autores não reconhecem grande influência
pelo menos na formação da ordem. Corrobora com essa assertiva as vezes que
Loyola foi inquirido pela inquisição, principalmente, a espanhola na busca de
provas dessa influência, mas nada foi provado e ele foi dispensado. Contudo,
esta questão permanece latente. Para John O’Malley (2004) o efeito do humanismo
foi evidente na Companhia somente após a sua fundação. Segundo ele, a despeito
dos primeiros jesuítas estarem ligado à escolástica medieval, “todos tinham
aprendido a falar e a escrever em latim no estilo humanista e não ficaram
imunes ao criticismo humanista à teologia escolástica e a seus praticantes”
(O’MALLEY, 2004, p. 34-5).
Segundo Jean
Lacouture (1994) Iñigo de Loyola possuía reservas a Erasmo, principalmente,
pelo seu discurso crítico em relação à Igreja. Apesar do contexto marcado pelas
reformas religiosas e a contrarreforma católica Loyola mantem sua posição de
fidelidade e obediência à doutrina católica. Em 1534 ele recebe o diploma de
mestre pela faculdade de artes de Paris e é a primeira vez que é chamado de
Inácio. Não se sabe se ele foi consultado ou se ele optou pela mudança para
homenagear santo Inácio de Antioquia (LACOUTURE, 1994). Já John O’Malley (2004,
53) defende que a mudança do nome deu-se quando em Paris matriculou-se no
colégio de Santa Bárbara “e começou a se referir a si mesmo indiferentemente
como Inácio ou Inigo, porque erroneamente pensou que o primeiro nome era apenas
uma variação do último”. Seja qual for a causa ele ficou conhecido com o nome
de Inácio e a partir de agora será utilizado neste trabalho esse nome.
Outro ponto
controvertido é a afirmação de que Inácio de Loyola e seus nove companheiros
fundaram a Companhia de Jesus como forma de reação ao protestantismo que
avançava na Europa. Jean Lacouture (1994, p. 94) adverte que “não é sensato
considerar a contra-reforma seu objetivo maior (pelo menos até o concílio de
Trento, dez anos mais tarde)”. E assim
assevera:
Um dos textos
originais dos padres fundadores assinala, é verdade, que eles se propunham não
apenas evangelizar os turcos, mas também trazer os luteranos de volta à
ortodoxia. Mas não está aí sua razão de ser ou de agir: seu objetivo não é
originalmente “polêmico”, nem sua conduta inspirada por uma “reação”, e
tampouco na sua preocupação “centrada na contra-reforma”, afirma um dos
melhores historiadores das origens da Companhia, Pedro de Leturia (LACOUTURE,
1994, p. 95).
Corrobora com
esse argumento o autor norte-americano, John O’Malley (2004, p. 36) ao afirmar
que:
Em Paris, os
companheiros testemunharam as incursões do “luteranismo” dentro da capital
francesa, mas não utilizaram nada do que entendiam serem os principais pontos
do novo movimento. Embora conscientes
como estavam da Reforma, esta não exerceu nenhuma influência palpável sobre o
futuro que então delinearam para si mesmos e assim fizeram poucas referências a
isso quando descreveram seus anos em Paris. Quando, em 1534, assumiram o voto
de passar algum tempo do ministério num lugar distante, voltaram seus olhares a
Jerusalém e não a Winttenberg.
A partir das
citações percebe-se que apesar de Inácio e seus companheiros estarem no
contexto das reformas religiosas essas não determinaram o surgimento dos
jesuítas. Outro autor que refuta essa tese é Jonathan Wright (2006). Ele
defende que inicialmente Inácio e seus companheiros não estavam preocupados em
ser o “exército” do papa e comandar a reação contra as reformas religiosas.
Assim:
Não viam a desordem
das duas décadas anteriores em termos estritamente doutrinários, mas sim como
sintoma de mal-estar e crise moral generalizados. Visavam a uma renovação
espiritual, uma purificação das almas, queriam corrigir a ignorância da
doutrina, um expurgo dos pecados e da superstição (WRIGHT, 2006, p. 32).
Isso não significa que mais tarde eles não
viessem a travar disputas teológicas com os protestantes e serem utilizados
pela Igreja nas diversas partes do mundo para aumentar o seu rebanho. Nos seus
primeiros anos de existência os jesuítas atuaram, principalmente, na Itália e
na Espanha regiões onde o protestantismo ainda não era tão presente. No
decorrer dos anos os jesuítas começaram a se envolver em conflitos com
luteranos e calvinistas e passaram a ser a principal ordem que atuou para novas
conversões ao catolicismo em várias regiões do mundo.
Recorda-se que o
sonho inicial de Loyola era ir à Terra Santa, porém estava impedido. E agora?
Para onde ir? Ele e seus companheiros escolheram Roma. Lá onde estava o Sumo
Pontífice. Para Jean Lacouture (1994, p. 97) “ordenado sacerdote em Veneza em
junho de 1537, assim como a maioria de seus companheiros, Loyola resignou-se a
desviar seu curso dirigindo para Roma o ímpeto de sua equipe”. Daí enfrentou um
caminho até o dia 27 de setembro de 1540 quando o papa Paulo III assina a bula Regimini Militantis Ecclesiae que
oficializou canonicamente a Companhia ou Sociedade de Jesus. Portanto, a nova
ordem foi fundada para propagação da fé católica, por conseguinte, para a maior
glória de Deus. Ad majorem Dei gloriam
(O’MALLEY, 2004). Inácio de Loyola morre em 31 de Julho de 1556. Assim, a Sociedade
de Jesus seguirá novos rumos, mas sempre voltando seus olhos para a vida e
orientações do seu fundador.
Cabe um
questionamento: por que o nome Companhia de Jesus? John O’Malley (2004)
assevera que foi uma decisão conjunta entre os primeiros membros atraídos por
Loyola que decidiram se alguém os perguntassem quem eles eram a resposta seria
“Companhia de Jesus”, pois não tinham outro superior a não ser Jesus. Termo
muito em voga na Itália para designar apenas uma associação. Outra informação
que chama a atenção é a questão do nome dos membros da nova ordem. Foram chamados
de diversos nomes, por exemplo, padres reformadores, padres romanos santos e
apóstolos. Segundo Florence Artigalas (2013) o termo “jesuíta” não foi
utilizado pelo fundador e não consta nos escritos deixados por ele. Inácio
chamava de “os companheiros” os membros da ordem. John O’Malley (2004) informa
que em algumas localidades da Espanha eram designados de “inacianos”. Este
termo possuía a conotação pejorativa, porém o termo “jesuíta” prevaleceu. No
início do século XVI a palavra “jesuíta” também era considerada pejorativa e
neste caso significava na Teologia moral “hipócrita” ou “fariseu” (ARTIGALAS,
2013). Contudo, a partir da segunda metade do século XVI o termo foi perdendo
seu sentido negativo. A primeira vez que um discípulo de Loyola foi chamado de
“jesuíta” ocorreu na cidade de Colônia (Alemanha).
Outra questão é
sobre a situação socioeconômica dos primeiros jesuítas. Será que já compunham
uma espécie de elite social e intelectual? Possuíam muitas posses? Ao analisar
o questionário de Nadal, um dos primeiros companheiros de Inácio, John O’Malley
(2004) sustenta que os pais de muitos padres e estudantes entre 1548 e 1568
eram comerciantes, advogados, tabeliães. Esses eram reconhecidos e estimados em
suas respectivas profissões. Poucos vieram da nobreza, de fato, eram uma
minoria comparados com aqueles que provinham do colégio de Bibona na Sicília.
Portanto, “os jesuítas vinham de famílias urbanas e de categorias sociais que
estimulavam (e precisavam de) habilidades literárias e dotes intelectuais”
(O’MALLEY, 2004, p.98).
Apesar da
maioria dos primeiros inacianos não ter atuado fora da Europa, os que saíram
serviram de exemplo para as gerações futuras. Francisco Xavier chegou à Índia
em 1542 e para ajudar na evangelização traduziu algumas orações para a língua
local. Já em 1549 chega ao Japão e admira-se com a cultura japonesa. Segundo
John O’Malley (2004, p. 124):
Por dois anos e
meio permaneceu no Japão, onde recebeu a permissão de fazer prosélitos,
impressionando as autoridades japonesas com presentes como relógios, óculos,
caixas de música e vinho. Ajudou a criar contatos entre a classe erudita do Japão
e as grandes universidades na Europa, especialmente sua universidade, Paris.
Francisco Xavier
conquistou algumas centenas de pessoas para o cristianismo no Japão. Decidiu
partir para China, contudo, não conseguiu alcançar a sua meta e morreu na ilha
de Sancian, em 3 de dezembro de 1552 (O’MALLEY, 2004). Os jesuítas tomam a
experiência de Francisco Xavier como protótipo de missionariedade e fundaram ao
longo da história várias edificações que homenageavam este missionário. A Igreja católica em reconhecimento ao seu
trabalho apostólico o tornou patrono das missões.
Alguns meses
antes dos jesuítas chegarem ao Japão, seis inacianos chegaram à América
portuguesa (Brasil) em 1549. Vieram sob a liderança do padre Manuel da Nóbrega
que em duas semanas nessas terras já criara aulas de catecismo para filhos dos
colonos e indígenas. Em 1553 chegou o basco José de Anchieta que juntamente com
Nóbrega tornou-se o centro catalizador da missão. Assim, a missão no Brasil,
principalmente, com os ameríndios se desenvolverá (O’MALLEY, 2004).
Referências
ARTIGALAS, Florence. Les jésuites au Nouveau Monde: les
débuts de l’évangelisation de la Nouvelle-France et de la France équinoxiale,
XVIIᵉ-XVIIIᵉ siècle. Matoury: Ibis Rouge Éditions, 2013.
LACOUTURE, Jean. Os Jesuítas: os conquistadores.
Tradução de Ana Maria Capovilla. Porto Alegre: L&PM, 1994.
O’MALLEY, John W. Os primeiros jesuítas. Tradução de
Domingos Armando Donida. São Leopoldo, RS: Editora UNISINOS; Bauru, SP: EDUSC,
2004.
WRIGHT, Jonathan. Os jesuítas: missões, mitos e histórias. Tradução de Andréa Rocha.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.